Existe coisa pior do que um thriller de suspense dar sono no público? Pecado Original, ao menos numa das sessões especiais antes da estréia, provocou bocejos sonoros, nada injustificados. O filme tinha tudo para dar certo: um elenco estelar com dois dos maiores símbolos sexuais do cinema atual, Antonio Banderas e Angelina Jolie; é baseado num romance noir de um mestre do gênero, Cornell Woolrich; refilma uma produção acima da média, A Sereia do Mississippi, de François Truffaut. A primeira coisa que se vê na tela é uma boca. Mas não uma boca qualquer. É a boca que aprendemos a rotular imediatamente: Angelina Jolie. Essa boca está contando uma história que obviamente só começa a ser ouvida depois de algumas frases. Antes, a boca monopolizava a atenção. Mas quando percebemos do que se trata e depois de alguns flashbacks que invadem a narrativa, vemos que é uma mulher que espera a morte no garrote vil, uma forma um tanto radical de fazer justiça herdada dos espanhóis, já que a ação é ambientada em Cuba, no século 19. Como todo bom melodrama, em Pecado Original, tudo gira em torno do amor e do dinheiro. O milionário Luís Vargas (Antonio Banderas) é duramente castigado durante boa parte do filme porque ousa dizer no começo "o amor não é para mim, o amor é só para as pessoas que acreditam nele". Falando coisas assim e sendo um rico fazendeiro de tabaco, não há dúvidas: quem mais sofre na história é ele que, incauto, importa uma noiva por correspondência dos Estados Unidos. Ao contrário dos charutos Cohiba, a travessia altera a qualidade da noiva. Em vez da submissa e parideira esperada pelo don cubano, chega uma certa Julia Russell de quem, na primeira cena, já está comendo na mão. Julia é uma peste e extremamente "moderna". Ignora convenções, anda sem o marido pelos bastidores de um teatro, arrasta-o para a cama, despe-se sem pudores novecentistas. Luís Durand está perdido: mais obcecado do que apaixonado, passa por cima de detalhes inquietantes sobre a mulher e abre sua conta bancária para ela. A história não acaba aí, surge do nada um detetive que teria sido mandado pela irmã de Julia em busca de informações sobre a agora sra. Vargas. A partir daí, mais do que nunca, o filme obedece ao lema "as aparências enganam". Só Luís é o que mostra, um patético ingênuo. O detetive não é o que diz ser, Julia também não, há um crime mas não é para valer. É um raro momento em que Pecado Original ameaça estar à altura do romance Waltz into Darkness, que cria uma teia de suspense e de ambigüidade que varre os personagens. Mas logo o filme, mais ainda o roteiro do próprio Cristofer, preocupa-se em dar tudo mastigadinho ao espectador; o passo-a-passo das situações é tão primário que o suspense some da história. Hora do lugar-comum. O diálogo mergulha num pântano coroado pela frase de Julia, quando Luís diz horrorizado que matou um homem. Ela nem se digna olhar para ele e responde: "E eu comprei um chapéu novo". Enquanto isso, percebemos que o filme não quer mesmo contar uma história, seu objetivo é mostrar Angelina Jolie e Antonio Banderas na cama, na banheira, o máximo para uma classificação de censura mediana ou em cenas sugestivas de vez em quando entremeadas por um ultimato ou uma revelação bombástica. Curiosamente, a química entre os dois não funciona. O personagem de Banderas é por demais passivo para dar certo com a desinibida e manipuladora Julie. O ator espanhol vive seu Luís com uma intensidade desesperada e contida, absolutamente convincente. Já Angelina Jolie é uma Lara Croft em roupas (os figurinos são muito bonitos) de época. Absolutamente inadequada para o personagem, a não ser pela beleza, seus gestos e trejeitos são modernos, mas isso seria exigir do filme uma qualidade absolutamente inexistente em seus 112 minutos, a sutileza. Mas Pecado Original parece ter deixado de lado a sutileza já na sua criação. Ele parece ser voluntariamente trash, um melodrama de candelabros de plástico. O final absurdo confirma essa vontade de ser fake, já que ele revoga tudo que aconteceu antes. Visto por esse plano, o filme pode não ser tão ruim quanto parece diante da lógica pura e simples. Fica o veredito ao gosto de cada um.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.