Opinião | ‘Aqui’, filme que gerou polêmica por usar IA e rejuvenescer Tom Hanks, merecia mais atenção

Novo longa de Robert Zemeckis que tem ainda Robin Wright no elenco reflete sobre como as coisas existem, se transformam ou até se repetem ao acompanhar a passagem do tempo a partir de um mesmo lugar

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Foto do author Matheus Mans

Se não bastassem as polêmicas ao redor de Emilia Pérez, principalmente por toda a questão de representatividade latina, a temporada de premiações tem outro longa recheado de questões para engrossar a lista. É Aqui, de Robert Zemeckis, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 16 de janeiro.

Enquanto o longa francês vê suas polêmicas nascerem a partir da concepção, a nova aposta de Zemeckis vê os questionamentos nascerem da produção. Na trama, baseada em uma HQ de Richard McGuire, acompanhamos um mesmo espaço ao longo do tempo – desde quando é habitado por dinossauros até quando uma família passa pela pandemia.

Cena de 'Aqui', filme estrelado por Tom Hanks e Robin Wright Foto: Imagem Filmes/Divulgação

É um estudo de espaço, de gerações e também existencial. Aqui, em sua mais primordial necessidade, quer entender como as coisas existem, se transformam ou até se repetem. Vemos os personagens passando por momentos históricos, por fases do luto, pela luta por emprego e, nos momentos mais inspirados, quando sonhos são construídos e destruídos.

Pequenas histórias

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Aqui não é apenas um amontoado de histórias. Tem, como fio condutor, uma família centrada em Al (Paul Bettany) e Rose (Kelly Reilly), depois no filho (Tom Hanks) com a esposa (Robin Wright). Ao redor disso, quadros aparecem na tela para retratar outros momentos. Tudo no mesmo espaço e com a câmera de Zemeckis registrando o mesmo local, sem nunca se mover. Quem se move é o tempo e o roteiro, não o cineasta.

E de onde vem a polêmica? Exatamente do fato de Tom Hanks ser filho de Paul Bettany e Kelly Reilly – Hanks tem 68 anos, enquanto Bettany está com 53 anos e Kelly com 47 anos. Essa inversão temporal inesperada se deu por um trabalho de rejuvenescimento de Tom Hanks e de Robin Wright, que passaram por uma espécie de filtro de inteligência artificial.

Esteticamente, há um certo estranhamento, principalmente no começo – em duas cenas, é possível ver os olhos dos atores sem vida, olhando para o nada, claramente fruto de um sistema de IA. Foi o suficiente para a crítica americana levantar uma bandeira vermelha de atenção com o filme, que, provavelmente, economizou com alguns profissionais de efeitos especiais e diminui, assim, o orçamento final do longa. É a velha polêmica da IA em Hollywood.

O tempo passa na tela de 'Aqui', mas a câmera não se move Foto: Imagem Filmes/Divulgação

O “x da questão”, porém, é que essa decisão estética de Zemeckis contaminou boa parte da crítica americana com relação ao filme. Chamaram a produção de confusa, pretensiosa, muito sentimental. É fácil enxergar e concordar com a visão problemática de usar inteligência artificial em um produção dessa, mas é difícil, bem difícil, achar esses problemas narrativos.

Zemeckis de volta

Aqui tem uma sensibilidade que não se via na filmografia de Zemeckis desde O Expresso Polar, de 2003 – ainda que Bem-vindos a Marwen, de 2018, pareça um preparativo estético e narrativo do novo longa-metragem. Por meio dessas histórias que se amontoam e se encontram (ou reencontram?), o cineasta americano traça um estudo interessante sobre os impactos geracionais e entende o espaço como algo passageiro, em constante mudança.

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O espaço social, aliás, é questionado e problematizado. Impossível não pensar em Charles Baudelaire, que via a cidade como um lugar híbrido, fragmentário, multiforme e inconstante. Aqui, Zemeckis move essa percepção da cidade, espaço urbano coletivo e compartilhado, para dentro de casa – ambos lugares que se transformam pela história e pelas pessoas.

Aliás, vale destacar como Zemeckis, aos 72 anos, continua sendo um cineasta à frente de seu tempo: ele experimenta formatos, tecnologias, estéticas. Neste novo filme, não apenas há toda a questão do rejuvenescimento por IA, mas também há uma boa ideia em contar a história de maneira fragmentada, pontuando a tela através do tempo. É experimentalismo estético em sua essência, com o cineasta provocando os outros profissionais ao seu redor.

Ainda há um sentimentalismo que, em alguns momentos, parece estourar pelos cantos da tela. Não combina com o que está sendo contado. Mas há, acima de tudo, verdade ali – é a necessidade de se adequar ao que esperam de você, o medo de mudar, o medo de perder e o amor por si só, representado pelo relacionamento de Hanks com Robin Wright.

Aqui, além das ideias interessantes sobre espaço urbano e existência, versa sobre o amor e as relações. É Zemeckis de volta, sendo possível reconhecer o cineasta de pérolas como De Volta para o Futuro e Náufrago, mas que nos últimos anos caiu em projetos bobos como os remakes Pinóquio e Convenção das Bruxas.

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Infelizmente, Aqui, mergulhado em polêmicas, perdeu força na temporada de premiações. Merecia mais atenção, seja para a direção de Zemeckis ou até pelo trabalho de atores. Que seja um filme, pelo menos, resgatado e compreendido pelo grande público fora das fronteiras dos Estados Unidos.

Opinião por Matheus Mans

Repórter de cultura, tecnologia e gastronomia desde 2012 e desde 2015 no Estadão. É formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com especialização em audiovisual. É membro votante da Online Film Critics Society.

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