Muitos pais que levaram suas filhas à Eras Tour de Taylor Swift vão se identificar com Cooper (Josh Hartnett) em Armadilha, novo filme de M. Night Shyamalan. O bombeiro de meia-idade enfrenta uma horda de adolescentes berrando para realizar o sonho de sua menina, a adolescente Riley (Ariel Donoghue), de ver um show da estrela pop Lady Raven (Saleka Shyamalan).
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É algo que o próprio cineasta, famoso por longas como O Sexto Sentido (1999), Sinais (2002) e Fragmentado (2016), e pai de três mulheres, conhece bem. “Sendo pai de meninas, é normal fazer coisas com suas filhas que não são para homens, são para elas. Mas você começa a gostar porque elas ficam felizes e contentes”, disse Shyamalan em entrevista ao Estadão, em São Paulo.
No seu caso, a coisa mais paizão que ele se recorda de ter feito foi comparecer às apresentações de balé que duravam apenas um minuto e obrigavam a família a ficar o dia inteiro esperando pelo momento. “Mas você percebe que sua filha te procura na plateia quando dança, e é uma graça.”
De certa forma, Armadilha é uma maneira de um pai passar um tempo com sua filha e de criar um palco para ela. Saleka Shyamalan, de 28 anos, a mais velha das três filhas do diretor, estreia como atriz interpretando Lady Raven, a estrela pop do filme, além de cantar e compor 14 canções da trilha sonora. “Dirigir um show e dirigir Saleka foi muito gratificante”, disse Shyamalan.
Serial killer
Claro que, em se tratando de M. Night Shyamalan, não dá para esperar um filme fofo sobre uma fã que realiza seu desejo de conhecer seu ídolo. Como o título indica, o show na verdade é uma armadilha para prender o assassino em série conhecido como The Butcher, ou “O Açougueiro”, que tem aterrorizado a cidade.
E, como Shyamalan nunca teme dobrar a aposta, O Açougueiro é, na verdade, Cooper, que precisa dar um jeito de escapar do cerco da polícia e do FBI, de preferência sem decepcionar Riley, que enxerga nele um herói.
O diretor sabe que sua premissa é um tanto absurda. Com brilho nos olhos, admite adorar uma travessura como cineasta. “Gosto de uma malícia tipo: Ei, vamos todos torcer pelo serial killer!”, disse o cineasta, que financia suas próprias produções. “Eu brinquei com a Warner Brothers, falando que o slogan deveria ser: Finalmente, um serial killer por quem podemos torcer!”, completou Shyamalan, gargalhando.
Para a ideia dar certo, ele precisava de um ator que parecesse alguém acima de qualquer suspeita. Aquele cara capaz de convencer qualquer um de que é apenas um paizão. Shyamalan encontrou seu ideal em Josh Hartnett, astro de grandes produções na virada do século, como Pearl Harbor e Falcão Negro em Perigo, ambos de 2001, que optou por fazer papeis mais discretos para não ficar marcado como galã e ultimamente tem feito várias participações interessantes, como em Oppenheimer.
“Eu gosto de dar ao público a possibilidade de ver alguém sob um novo prisma”, afirmou Shyamalan. “Ele é bonito, fácil de se apaixonar. Dá para entender como ele conseguiria enganar as pessoas. Ao mesmo tempo, é capaz de interpretar esse outro lado, da luz se mesclando com a escuridão. Cooper fica empolgado de não ser pego. E Josh tem uma certa malícia que foi fácil de trazer à tona.”
Hartnett não pensou duas vezes antes de aceitar o convite de M. Night Shyamalan. “Sou fã há muito tempo”, disse o ator, que também esteve em São Paulo para divulgar o filme. “É um dos poucos diretores capazes de trabalhar de maneira original para um público mais amplo. Eles estão se tornando cada vez mais raros. E eu amo produções originais. Sempre as preferi aos projetos baseados em propriedades intelectuais já existentes, sequências e coisas assim. Gosto de ver histórias novas na tela. É bom para a indústria, e certamente para mim, pois gosto de personagens extremos. E eles não aparecem com tanta frequência assim.”
Um antagonista para amar
Cooper foi irresistível para o ator justamente por ser capaz de soltar uma piada de tio do pavê para Riley e vibrar com a filha enquanto ameaça um refém virtualmente e bola mil e uma maneiras de escapar de uma arena lotada – e mesmo assim fazer com que o público deseje o sucesso em sua fuga. “É um antagonista que você precisa amar. Mas não queríamos enganar o espectador, por isso revelamos já no trailer quem ele de fato é. A diversão é fazer a audiência lutar para não torcer por ele.”
Em seus estudos sobre psicopatas para se preparar para o papel, Hartnett descobriu que é assim mesmo que funciona. Os serial killers, ao contrário do que muitos pensam, costumam ser charmosos e carismáticos. “Muitas pessoas que entrevistam esses assassinos em dado momento acham que eles não podem ser tão maus. É apavorante, porque é tudo uma performance.”
Quanto mais o ator estudava, mais ele reconhecia os traços de psicopatia à sua volta. “Há muitas pessoas em posições de poder no nosso mundo que se encaixariam nesse espectro da psicopatia, assim como personagens de vários filmes, especialmente aqueles que fazem qualquer coisa para conseguir o que querem. Como espectadores, nós achamos isso heroico, mas é aterrorizante, na verdade.”
O ator precisou buscar modos de ter empatia por alguém que na verdade é incapaz de amar no sentido tradicional. “Cooper sente uma espécie de posse em relação aos filhos e precisa encontrar validação em seu relacionamento com eles. Essa necessidade passa a sensação de amor. Portanto há todas essas coisas acontecendo sob a superfície que eu achei bem fascinante. Nosso desafio era retratar um psicopata real, mas que fosse também divertido e interessante, trazendo o público junto sem truques.”
Monstros da vida real
Armadilha não tem elementos de fantasia ou sobrenaturais como a maioria dos filmes de M. Night Shyamalan. O longa é mais realista, embora seja uma realidade levemente exagerada. “Para mim, esta é a história de um monstro da vida real”, disse Shyamalan. “Por isso as pessoas têm tanto interesse em serial killers. Eles existem na nossa sociedade. São nosso medo mais profundo. Nosso vizinho, irmão, marido pode ser essa pessoa e estar mentindo para a gente o tempo todo. E isso, sim, é assustador.”
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