Em A Mão de Deus (2021), seu filme anterior, Paolo Sorrentino retornou à sua cidade natal, Nápoles, para tratar da paixão por Diego Maradona e da tragédia que viveu na adolescência, perdendo seus pais em um acidente. Em Parthenope: Os Amores de Nápoles, que participou da competição do Festival de Cannes no ano passado e estreia nesta quinta-feira, 20, no Brasil, ele permaneceu cinematograficamente no lugar onde nasceu para falar de outros assuntos que lhe são caros.
“Queria fazer um filme sobre um tema que está no meu coração: nossa relação com o tempo, como ele passa e como nos transforma”, disse Sorrentino em entrevista com a participação do Estadão, em Cannes.
A passagem do tempo está no centro de longas anteriores do cineasta italiano, como A Grande Beleza (2013), vencedor do Oscar de filme internacional, e A Juventude (2015). Desta vez, porém, a personagem central é uma mulher. “Sempre quis que a protagonista deste longa fosse mulher”, disse Sorrentino. “Primeiro, porque queria investigar a busca da liberdade feminina, que é muito mais interessante do que a dos homens.”
“Queria também que fosse um épico e por isso precisava de um herói, ou, no caso, uma heroína”, prosseguiu. “Porque um épico de homens acaba sempre na guerra, e as mulheres têm uma batalha interior muito mais interessante. Também acredito que as mulheres lidam com as transformações do tempo melhor do que os homens, que sempre estão tentando evitá-las.”

Sorrentino admitiu que para ele, assim como para a maioria dos homens, as mulheres são um enigma. “Por isso eles têm medo e não conhecem de fato as mulheres”, afirmou. Não à toa, a personagem tem nome de uma sereia da mitologia grega. “Sempre faço filmes sobre o que não conheço. Fiz filmes sobre política porque não entendo de política. Eu sigo a história que quero compreender. Mas isso não quer dizer que, ao finalizar um projeto, eu tenha a presunção de ter compreendido tudo. Eu apenas sigo a história a partir da primeira ideia.”
Parthenope (Celeste Dalla Porta, em seu primeiro longa-metragem) nasce no mar defronte ao palacete que é sua casa, em 1950. É uma casa rica de posses, mas pobre em amor: a mãe é fria, o pai, depressivo.
O filme é uma coletânea dos momentos inesquecíveis, das tardes passadas na praia, da beleza que desconcerta os homens, dos amores por vezes trágicos, dos encontros fortuitos, das transformações de todo ser humano ao longo da vida. “Ela se interessa pelos seres humanos, mas nunca os julga nem tem medo de ser julgada”, disse Dalla Porta.
Uma das pessoas que atravessam seu caminho, mesmo que muito brevemente, é o escritor norte-americano John Cheever (1912-1982), interpretado por Gary Oldman. “Eu procurei a poesia dentro do filme”, disse o ator. “Porque eu estou interpretando John, mas também não estou”, completou. John Cheever, aqui, não é exatamente um personagem real, mas quase uma aparição – no cinema de Sorrentino, é frequente a realidade ser tomada por algo de fantástico, de delírio, de sonho, de memória. Aqui não é diferente.
Oldman aceitou fazer o papel, mesmo pequeno, porque estava morrendo de vontade de trabalhar com o cineasta, a ponto de citá-lo em uma entrevista. Foi assim que os dois se encontraram. Sorrentino queria o ator inglês para interpretar um bêbado atormentado, triste, melancólico. “Sendo um alcoólatra em recuperação, reconheço todos os sinais. Instintivamente reconheço as angústias que levam alguém a ter dias de muita bebida”, afirmou Oldman, que, brincalhão como sempre, disse estar em sua fase de abusadores do álcool. Além de Cheever, ele fez recentemente Herman Mankiewicz em Mank (2020), de David Fincher, e Jackson Lamb em Slow Horses, série que está indo para sua quinta temporada.

A cidade como protagonista
A segunda personagem principal do longa é Nápoles em si, uma cidade que Sorrentino descreveu como “extrema, invasiva, mas muito sensual”. “Ela provoca muito amor, mas também uma vontade de fugir às vezes”, disse o diretor.
Na primeira parte, a identidade da mulher confunde-se com a da cidade, que nasceu, justamente, como uma colônia grega com esse nome, Parthenope. “Ambas são sedutoras. Elas estão no foco, mas também querem estar escondidas, daí seu mistério”, contou Sorrentino. “Conforme Parthenope, a personagem, cresce, o fascínio diminui, e ela fica mais crítica em relação a Nápoles.”
Até porque, assim que tentam controlá-la, Parthenope foge. Sua busca pela liberdade é inegociável. E Nápoles não pode mais contê-la, por isso ela parte em busca de ser quem realmente é. Mais velha, sim, ela será capaz de enxergar seu passado e poderá novamente se encantar com o canto de sereia de Nápoles-Parthenope. Um pouco como o próprio Sorrentino que, depois de tantos anos afastado, agora conseguiu se reaproximar de sua cidade, ao menos em seu cinema.