Barbie é o melhor blockbuster do ano. Entre os gigantes do cinema em 2023 até agora, nenhum cumpre tão bem o papel de entreter quanto o filme de Greta Gerwig. O longa não se envergonha de ser ridículo, faz de propósito. E é hilário. Mas é tão bem escrito que consegue encaixar discussões contemporâneas delicadas de forma leve e divertida.
É um filme feminista, como admitiu a protagonista e produtora Margot Robbie em entrevista ao Estadão (assista abaixo), mas não panfletário. Ele vai além. A produção inteira é uma metáfora do mundo real às avessas. Na Barbieland, quem manda são as “barbies”. Os “kens” ficam tão em último plano que ninguém sabe nem onde eles dormem.
É um choque de realidade. Tanto para Barbie e Ken - que precisam abandonar a terra de origem numa aventura pelas ruas de Los Angeles -, quanto para o público - que às vezes ignora a indiscutível disparidade de oportunidades entre mulheres e homens. Por isso é um filme feito para todo mundo ver, independente de ideologias próprias.
Direção e roteiro são cirúrgicos
O roteiro é próximo de perfeito. Ataca na jugular na maior parte do tempo. São raras as ocasiões em que as críticas são subliminares ou sutis. Mas é um reflexo dos tempos. Tente ser sarcástico no Twitter para ver surgirem legiões que só captam literalidades.
Greta é uma cirurgiã nisso. Seja no texto afiado ou na direção precisa, ela desenha o quanto a estrutura das coisas é injusta. Entretanto, mesmo com situações superexpositivas que em normalmente as pessoas segurariam a língua e as personagens falam o que pensam em voz alta, ela consegue também trabalhar com o não-dito em olhares, sorrisos e silêncios. Aliás, dessa maneira esses momentos ficam ainda mais valiosos.
Margot, Ryan Gosling e os colegas de elenco, perfeitamente escolhido, conduzem uma jornada de descoberta. Literalmente. E dão a oportunidade ao público de questionar as próprias concepções enquanto gargalha no cinema. Humanos são frequentemente desacostumador a ser contestados, assim como Barbie.
Ela é confrontada com o conflito e questões existenciais até cotidianas para nós ao ponto de ver desafiado tudo o que tinha como certeza. A personagem, antes autossuficiente e destemida, é atingida pela síndrome do impostor. Ela começa a duvidar de si e das próprias competências. Nada mais humano e digno de empatia.
Fotografia, trilha e cenografia brilham
A fotografia é impecável. Não há absolutamente nada fora de lugar. E é surpreendente como fica agradável aos olhos a quantidade absurda de rosa na tela. Inclusive, na Barbieland não existe branco. O que há é o tom mais claro possível de cor-de-rosa.
Outro elemento positivo é a trilha sonora. Há números de dança e os atores cantam. Mas o filme não é um musical e essas cenas são tão bem encadeadas que ou passam meio camufladas ou são tão obviamente explícitas que provocam gargalhadas.
De ponto negativo, talvez o oportunismo da Mattel de fazer limpeza de imagem às custas da autodepreciação. O filme é vigorosamente crítico à criadora da Barbie, mas a empresa é financiadora da produção. Verdade que o conglomerado vem tentando incorporar representatividade e diversidade à linha de bonecas, mas ainda assim parece plástico.
Menção honrosa a Helen Mirren, brilhante na narração. E ênfase para o elenco da série da Netflix Sex Education, que parece ter cedido metade do elenco para Barbie.
Veja entrevista do elenco de Barbie para o Estadão
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.