O cantor e compositor Bob Marley já entrou naquela seara de celebridades que, hoje, já nem parecem mais reais. Virou um ícone – talvez até mesmo um mito. Por isso, o trabalho do diretor Reinaldo Marcus Green já começa complicado quando tenta encontrar o homem por trás da lenda em Bob Marley: One Love, que chegou aos cinemas na última segunda-feira, 12.
Leia também
“Retratar a vida de uma pessoa em duas horas é difícil. Tivemos que achar uma janela para isso, mostrando a humanidade do Bob. É nossa responsabilidade mostrar o homem por trás da camiseta. Quem é ele?”, diz Green, em coletiva de imprensa com a presença do Estadão.
Para ajudar nessa busca, Bob Marley: One Love adota uma receita que já vimos em cinebiografias como Steve Jobs e Meu Nome é Gal: pegar um recorte da vida desse personagem ao invés de tentar abarcar sua vida completa. Aqui, acompanhamos a vida de Marley (Kingsley Ben-Adir) principalmente nos anos 1970, quando o cantor sofre um atentado na Jamaica, dividida politicamente, sai de seu país e ganha fama mundial.
“Essa janela específica mudaria a vida de qualquer pessoa. E mudou a de Bob. Ele se tornou um astro global naquele momento. Foi um momento histórico não só para a Jamaica, mas para todo o mundo”, continua o diretor. Ou seja: o filme é sobre o momento de transformação de Marley. Deixou de ser famoso na sua comunidade para virar um ídolo.
Uma história engasgada
É evidente durante o longa, porém, que mesmo limitando temporalmente a história, ainda há muita coisa para contar – e Marcus Green, assim como o roteiro escrito por ele e por Terence Winter, Frank E. Flowers e Zach Baylin, não sabe bem no que focar nessas duas horas. Uma década parece coisa pouca para uma cinebiografia. Mas não para Bob Marley.
Nesse pequeno período de vida, ele tenta unir a Jamaica, sofre um atentado e sua mulher, Rita, quase morre, lança um álbum consagrado, Exodus, faz história ao decidir por fazer uma turnê na África; se torna um astro global conhecido no mundo todo; e, nesse contexto geral, também vira uma das grandes vozes pela paz.
Ao invés de focar em um objetivo só para Bob Marley: One Love, Green pula de tema em tema. Nós, como espectadores, ficamos perdidos sobre o que exatamente o cineasta quer contar aqui. Ao não ter exatamente uma unidade, disperso entre acontecimentos tão importantes, o filme fica engasgado. Toda vez que parece que vai seguir uma linha narrativa, o filme a resolve rapidamente e segue para outra. Não dá tempo ao tempo.
“A música é a mensagem”, diz o filho de Bob Marley e produtor do filme, Ziggy Marley, também na coletiva. Oras, o filme também é a mensagem. Até surge um lampejo de ideias ao falar sobre essa questão de que somos um só, muito propagada pelo movimento rastafári, mas isso também é apenas um ponto em um mundo de ideias nunca exatamente compreendido por Marcus Green. Na ânsia de falar sobre tudo, a mensagem desaparece.
Kingsley Ben-Adir: entre a genialidade e a paródia
Outro ponto interessante é observar o trabalho de Kingsley Ben-Adir, que já interpretou Malcolm X no filme Uma Noite em Miami. Há, evidentemente, um trabalho profundo de criação de personagem. Na coletiva, ele deixou claro como isso foi importante para ele. “Quando recebi a notícia de que faria Bob, não tive tempo para celebrar. Só percebi que tinha muita coisa para fazer”, contextualizou Ben-Adir, sobre sua preparação para o filme.
Interpretar Bob Marley, afinal, é como interpretar Lennon ou Michael Jackson. A percepção visual das pessoas sobre essas figuras é tão extensa que qualquer atuação pode cair facilmente na paródia. O que determina essa diferença não é o ator, mas a direção. E aqui isso fica evidente: Ben-Adir se sai bem em cenas mais dramáticas, conseguindo misturar o sotaque jamaicano de Bob com a emoção de cenas mais intensas. O ator está bem.
O problema é quando Marcus Green faz cenas mais voltadas apenas para a imagem, principalmente nos shows de Bob. Chega a ficar engraçado de ver – não sentimos ali a vibração desse personagem histórico da música, muito por conta dessa direção sem vida.
“O impacto da música [de Bob Marley] foi algo muito único. É indescritível. As pessoas se conectam com a música dela em uma vibração tão diferente que nem precisam entender a letra. É além do explicável”, afirma o protagonista. E é esse o maior triunfo e a maior queda de Bob Marley: One Love: são muitas histórias para contar, muita complexidade em um só personagem e muitas emoções para abraçar. Há beleza aqui. Mas muito disso se perde na falta de foco e no desespero em dar conta de um personagem que já faz parte da História.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.