Em São Paulo, em dezembro, na Comic-Con – para apresentar Capitã Marvel no painel do estúdio –, Brie Larson falou do seu maior desafio. “Foi depois do Oscar. Já havia sido contratada e fazia a preparação física para o papel, mas durante um ano fiquei impedida por contrato de dizer a quem quer que fosse. O estúdio só ia divulgar na Comic-Con de San Diego (2016), e nada poderia prejudicar o impacto do anúncio. Tudo foi feito para impedir o vazamento. Parece fácil, mas um segredo desses termina por te consumir.”
Capitã Marvel! Após o sucesso de Mulher Maravilha, que deixou de ser apenas um filme para virar evento social, fortalecendo as lutas das mulheres na indústria – e não apenas –, chega a vez da primeira super-heroína da Marvel. Houve, antes, como aperitivo, a Vespa, que formou dupla com o Homem-Formiga, mas não tem nada a ver. Capitã Marvel surgiu como Carol Danvers, piloto da Força Aérea dos EUA, em 1968. No ano seguinte, submetida à tecnologia superior da raça alienígena Kree, adquiriu força e a capacidade de voar. Em 1977, foi a primeira Miss Marvel.
Como guardiã do universo, responde a um ser superior – que tem a forma de Annette Bening – e é treinada por Jude Law, que a repreende o tempo todo por dispersar o foco, deixando-se levar pela emoção. Seus inimigos são os skrulls, que mudam de aparência, mas, atenção – olha o spoiler –, o espectador que for ver Capitã Marvel a partir desta quinta, 7, tem de estar preparado para as reviravoltas do relato, que vão mudar seus parâmetros de bem e mal. Justamente por isso, Brie Larson foi a escolhida. Vencedora do Oscar por O Quarto de Jack –, o estúdio afirma que só ela conseguiria emprestar profundidade e humanidade ao conflito que dilacera Carol Danvers. A pergunta que não quer calar: o filme é bom? Começa meio enrolado, mas quando deslancha é ótimo.
Sua história é tão movimentada que daria múltiplos focos. Superpoderosa, Carol Danvers enfrentou a Rapina, que se tornaria vilã dos X-Men. Perdeu seus poderes para a Vampira, foi membro dos Vingadores – e voltará na próxima aventura do grupo de super-heróis. Somente em 2012, há sete anos, tornou-se Capitã Marvel. “Para mim, é a personagem mais forte do universo Marvel”, explica Brie Larson. “E o legal é que Carol (Danvers) já era durona muito antes de adquirir superpoderes. Adorei fazer. Não é pesada nem amargurada, tem prazer em ser quem é. Lutar é uma forma de brincadeira.”
A fase de preparação foi muito intensa. “Tive de aprender a lutar e desenvolver musculatura para isso, mas a ideia nunca foi construir uma massa física para a personagem. Os punhos foram muito importantes em todo esse processo.” E Brie, de novo delicada, brande o punho na suíte de um hotel dos Jardins, em São Paulo. O repórter brinca: “Eu é que não quero testar sua força”. Ela ri – “Acho bom”. Brie Larson é uma simpatia. Nascida Brianne Sidonie Desaulniers em Sacramento, no Texas, sua primeira língua foi o francês, que falava em casa, com a avó. O pseudônimo foi adotado de uma boneca que adorava, quando criança.
Interpretou adolescentes, teve uma participação importante na série United States of Tara, fez a versão para cinema da série 21 Jump Street e foi coadjuvante de Mark Wahlberg em O Apostador. E aí, no mesmo ano, veio O Quarto de Jack, de Lenny Abrahamson. Aos 25 anos, Brie virou uma atriz superpremiada – Oscar, Globo de Ouro, SAG Award, Bafta, Spirit, National Board of Review. Entre Jack e agora Capitã Marvel, pisou em falso. Mais vale esquecer sua atuação em Kong – A Ilha da Caveira, atração da Comic-Con de São Paulo em 2017. Brie canta e compõe. O que ela gosta mais – música ou cinema? “Não se trata de escolher. Me complementam.”
Como foi para ela a passagem da mulher abusada de O Quarto de Jack – sequestrada e mantida em cativeiro durante anos por seu estuprador, com quem tem um filho – para a super-heroína de Capitã Marvel? “Nenhuma das duas sou eu, e no entanto, o bom de ser atriz é que você descobre em você mesma reservas de compreensão e energia de que não se sentia capaz. Meu pai abandonou a família e minha irmã e eu fomos criadas por minha mãe e pela avó. Mulheres que precisam transformar sua fragilidade em força sempre fizeram parte da minha vida. No fundo, é o tema que, apesar de todas as diferenças, une Jack à Capitã.”
Chega um momento – olha o spoiler – em que Carol descobre que está sendo manipulada e tem de virar o jogo. Descobrir a força dentro dela. “É o que toda mulher tem de fazer, num mundo dominado por homens.” Estamos falando de conceito, e a mudança de tom? O Quarto de Jack passa-se em boa parte naquele quarto minúsculo, Capitã Marvel extravasa o universo dos efeitos especiais. Como fica a cabeça no meio disso tudo? “Desde que começamos a falar sobre o filme, Anna (Boden) e Ryan (Fleck) – os diretores – deixaram claro o que estavam querendo. Adorei a ideia. Para eles, o filme teria de ter muita ação e humor, e ser realmente movimentado e divertido. Mas isso era só uma parte, porque Carol Danvers também deveria ter um lado mais denso e até sombrio.
Ela descobre detalhes que abalam seu conhecimento das coisas, e do universo. Então eu deveria trafegar entre extremos. Quando é divertido, é muito divertido. Quando é denso, é muito denso. Como atriz, foi ótimo. Ouso dizer que esse filme talvez tenha exigido mais de mim, física e emocionalmente, que O Quarto de Jack, mas, é claro, ninguém vai levar a sério. Vão achar que estou exagerando.”
Crítica: Capitã Marvel só deslancha na segunda parte
Seriam muitas as possibilidades de histórias envolvendo Carol Danvers/Capitã Marvel. Ainda este ano, estará no time de Os Vingadores, mas, para sua aventura solo, a primeira super-heroína da Marvel é colhida na guerra entre krees e skrulls. A casta superior e os vilões alienígenas. A primeira coisa a fazer é desconfiar das aparências.
Anna Boden e Ryan Fleck dirigiram episódios de séries, fizeram pouca coisa no cinema – Parceiros de Jogo, de 2016, quando Brie Larson estava comprometida com O Quarto de Jack. Não representa pouco assumir um filme desse tamanho. O começo é meio enrolado. Carol sofreu um acidente, está desmemoriada. As lembranças vêm por flashes. Alain Resnais, Marguerite Duras. Rupturas de tempo e espaço.
Carol/Brie pensa uma coisa. Resgatada pela civilização superior kree, acredita na entidade superior (Annette Bening), é treinada por Yon-Rogg (Jude Law). Seu mundo será colocado em xeque e vai ruir a partir do encontro com nosso velho conhecido Nick Fury (Samuel L. Jackson). Projetada na Terra, arrebenta o teto de uma loja da Blockbuster Vídeo – é piada. Na segunda parte, as coisas fazem sentido. O filme deslancha. É quando entra Goose, o gato. Meio MIB – Homens de Preto, ele rouba a cena e tem direito ao lance final, mas você terá de esperar que acabem os créditos, longuíssimos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.