“Gosto de interpretar pessoas interessantes”, diz a atriz Charlotte Rampling, de 78 anos, ao Estadão, de sua casa em Paris, por telefone. Essa é a resposta direto ao ponto que a atriz britânica dá ao ser questionada sobre seu papel em A Matriarca, filme que estreia nesta quinta-feira, 28.
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No longa, ela interpreta Ruth, que, inicialmente, é odiável. Está com um problema na perna e, por isso, vai morar com o filho e o neto. No entanto, nada de tentar se passar por alguém invisível na casa na qual é convidada. Ela transforma a rotina do local em um inferno, com constantes ordens, pedidos e, principalmente, opiniões sobre tudo.
Ainda assim, mesmo sendo essa senhora desagradável e tão complicada de se desvendar no começo, uma ex-correspondente de guerra alcoólatra, há realmente algo de interessante nela e nessa dinâmica – algo que, enfim, despertou a atenção de Rampling, uma atriz veterana escolhe seus papéis.
“Achei muito desafiador”, diz ela sobre o papel. “Gosto de interpretar alguém que eu gostaria de ser, pessoas que me interessam, principalmente com sua coragem, o estilo de fazer coisas que talvez eu nunca tenha feito. Fazendo filmes, você se conecta e acredita que está fazendo isso. No final, é o que torna tudo interessante”, disse a atriz, em cartaz, também, em Duna.
Do início ao fim
A Matriarca é o primeiro longa do diretor Matthew J. Saville – antes, havia dirigido apenas dois curtas. Rampling conta que a pouca experiência do cineasta, natural da Nova Zelândia, não interferiu na escolha do papel. Ela, inclusive, diz que se sentiu mais integrada ao processo ao ser convidada por ele a pensar em Ruth.
Afinal, o filme é essencialmente uma análise profunda e dramática sobre essa mulher idosa bastante deixada de lado, mas que se encontra na figura de seu estranho neto - um garoto que ganha uma suspensão da escolha e, como castigo, precisa cuidar dessa avó com ele teve pouca intimidade. É algo como Os Rejeitados, em que pessoas absolutamente diferentes se conectam por meio da própria rejeição.
“Quando conversamos sobre o roteiro, ele contou que estava escrevendo um pouco sobre sua avó e depois sobre outra pessoa de sua família. Foi interessante porque gosto de trabalhar no roteiro com o diretor, ainda mais por ser difícil para ele se colocar no lugar de uma mulher da minha idade”, explica. “Consegui trabalhar com ele e, ao fazer isso, gostei muito dele. Não tinha outros filmes dele para assistir, mas criamos um sentimento.”
Depois disso, mesmo com o roteiro já em mãos, Charlotte não deixou para lá a construção de sua personagem: nesse processo de identificação, ela foi se colocando cada vez mais dentro do filme. É uma personagem que, ela diz, tem muito de seu estilo.
“Tem algo de como expresso minha personalidade e compartilho com outra pessoa. Tem também semelhanças com o senso de humor, que é uma maneira de lidar com a vida que eu acho atraente”, diz. “Isso tudo faz com que eu queira fazer parte de algo. Caso contrário, eu não quero fazer isso. Gosto de personagem com quem possa compartilhar minha vida”, explica.
Entre ‘Duna’ e ‘A Matriarca’
Esse novo filme apenas concretiza, na carreira de Charlotte, algo que vinha sendo percebido há algum tempo: não há qualquer preferência, do lado dela, por projetos grandes. Ela está nos dois primeiros filmes de Duna, por exemplo, como a Reverenda Madre Mohiam, mas esses dois blockbusters são uma exceção em uma filmografia com títulos como Benedetta (2021), Está Tudo Bem (2021), Melancolia (2011) e o elogiadíssimo drama 45 Anos (2015), pelo qual a britânica foi indicada ao Oscar.
“Nunca procurei coisas específicas. Quando leio uma história, ela tem que falar comigo. Tem que ser algo que eu sinto, que realmente quero passar tempo. É assim que gosto de sentir meus personagens. Então, eles vêm de lugares diferentes. Eu não tenho um plano”, diz a atriz.
“Acabei indo mais para os filmes independentes e não tanto para filmes de grandes orçamentos. Às vezes, eles surgiram e eu realmente gostei de trabalhar com grandes estúdios. É algo muito diferente dos filmes menores, mas é tudo parte de dar algo para o público, esperando que eles recebam algo de volta de você, que seja válido”, completa.
Agora, aos 78 anos, Rampling também começa a experimentar papéis diferentes. Ela, que começou nos cinemas aos 18 anos com um papel em Os Reis do Ié-Ié-Ié, já passou por personagens das mais variadas idades. Agora, é uma avó rabugenta. Como é isso?
“Com a idade e com saúde, estou me dando bem. Eu acho que enquanto você se sentir jovem de coração e tiver boa saúde, você não se preocupa muito com a mudança de rosto. Eu simplesmente não vou por esse caminho”, diz. “Envelhecer com saúde é realmente maravilhoso porque isso o leva a diferentes estados de espírito e estados de ser que são realmente muito interessantes. Talvez eu tenha sorte porque tenho uma carreira que também pode continuar. Me considero muito sortuda por não ter que me aposentar”, finaliza.
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