Foi com aplausos do público, choro de funcionários e ordens de distanciamento logo na entrada que o Petra Belas Artes reabriu suas portas na tarde deste sábado, 10. Após sete meses de fechamento dos centros culturais, com atrações adaptadas para formato de drive-in e transmissões virtuais, os paulistanos puderam, finalmente, voltar a aproveitar a tradicional programação da Capital, que chegou à fase verde da quarentena. Como um convite para as pessoas saírem de casa, o sol se abriu na cidade depois de três dias chuvosos.
“É uma sensação maravilhosa. Eu estava aguardando há um bom tempo. Já estava na hora de reabrir, com toda a cautela e respeito às normas, claro. O paulistano precisa desse tipo de descanso”, declarou, na fila da bilheteria, a terapeuta Roberta R. Leal que, em tempos normais, costuma assistir a três ou quatro filmes por semana no local, tido por ela como uma segunda casa.
Assim como Roberta, o professor Jorge Tenório Fernando foi ao Belas Artes para assistir a Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola, filme que marcou a reabertura. A impressão é que poderia ser qualquer título a ser exibido – o que interessava a ele era poder sentir novamente a atmosfera da sala de cinema.
“Fiquei até emocionado. Quando soube ontem que os cinemas reabririam, imediatamente entrei no site e comprei o ingresso. Minha vontade era entrar na primeira sessão e sair só quando alguém me mandasse embora”, brinca Jorge, que já se organizou para ver outro filme amanhã mesmo. “Saí muito pouco durante a quarentena. Estava sem ter o que fazer; acho muito chata essa história de live”, acrescenta ele.
No saguão colorido, ambiente no qual os cinéfilos costumam se aglomerar e conversar sobre os filmes antes e depois das sessões, funcionários mediam a temperatura das pessoas que entravam, e davam ordens para que mantivessem o distanciamento na fila, conforme as marcações fixadas no piso. Uma proteção de acrílico ainda separava o público dos atendentes da bilheteria e, na bomboniere, todos os itens eram entregues lacrados em embalagens de papel.
Cerca de 35 pessoas compareceram à sessão de reabertura. Dentro da sala, cuja lotação máxima permitida é de 60% da capacidade do espaço, os protocolos estabelecem um distanciamento de 1,5 m entre os espectadores. Mas, como explica Juliana Brito, diretora executiva do cinema, a disposição varia a depender, por exemplo, de haver casais ou grupos que adquirem ingressos em poltronas contíguas. Outra mudança foi o estabelecimento de um intervalo maior entre as sessões, para que a equipe de limpeza possa higienizar as salas mais detidamente.
Toda essa dinâmica, claro, exigiu a adaptação dos funcionários que, até então, estavam trabalhando no drive-in do Belas Artes, instalado no Memorial da América Latina. Andressa Lopes, gerente operacional do cinema, revela estar satisfeita com a retomada: “é uma energia diferente ter esse contato com o público sem ser através do carro”, avalia.
“Foi muito sofrido ficar fechado todo esse tempo”, declara André Sturm, proprietário do Belas Artes. Emocionado ao ver o retorno do público, ele destacou o esforço que foi feito, incluindo uma campanha de crowdfunding, para preservar a equipe e realizar a manutenção do espaço. Isso tudo um ano após um imbróglio que quase deixou o cinema, que hoje leva o nome da cervejaria Petra, sem um patrocinador.
Daqui para a frente, até o fim da pandemia, será essa a nova realidade do icônico cinema da Rua da Consolação. Ao que parece, os frequentadores estão dispostos a seguir todos os protocolos para poderem sentir novamente a emoção de ficar de frente para a tela grande.
DEPOIMENTO
A repórter Paloma Cotes relata a experiência de ter ido ao cinema após a retomada das atividades na Capital
"Das coisas que mais sentia falta em todo esse período de pandemia, ir ao cinema certamente era uma delas. Até este sábado. Fui uma das repórteres que acompanhou a entrevista coletiva em que o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou a tão esperada retomada dessa atividade na capital. Quando veio a confirmação, senti algo que a pandemia vem nos tirando cotidianamente: senti esperança – uma esperança de que, de alguma forma, a vida vai voltar a ter alguma normalidade. Acordei cedo neste sábado, por volta de 7h, (sou uma pessoa matutina) e a primeira coisa que fiz não foi olhar o Whatsapp, como sempre faço. Comecei a olhar os sites de espaços culturais e cinemas que ficam perto de casa. Nenhum filme chamou minha atenção em especial.
Quando contei a um amigo que ia ao cinema, ele perguntou: "que filme você vai ver?". Eu respondi: "qualquer um.". Escolhi um que me chamou a atenção pelo elenco e pelo título e fui na primeira sessão que consegui, por volta de 14h40. Comprei meu ingresso num totem de auto-atendimento, como sempre fiz. Ao entrar no espaço, deu pra sentir que ainda vai levar tempo a retomada. Estava tudo vazio. As atendentes conversavam no caixa, despreocupadas, mas com máscaras e faceshields. Os letreiros traziam mensagens sobre os protocolos e ações de higiene. O dispenser com álcool em gel estava na entrada. Não havia a tradicional fila para comprar pipoca. O café, sempre com mesas disputadas na pré-pandemia, tinha apenas um cliente, que desejou sorte à proprietária e à garçonete.
Subi para a sala onde veria o filme e a conferência do ingresso foi apenas visual, como recomenda o protocolo. Entrei na sala, sentei na minha poltrona e tive a sensação de que teria uma sala somente para mim. E quase tive. Pouco tempo depois, entrou mais uma pessoa, que sentou oito fileiras distante de mim. E fomos só nós na sessão. Usei máscara o tempo todo, ela é obrigatória. E, mesmo que não fosse, acho que não teria coragem de tirar em um ambiente público.
Quando as luzes se apagaram, meu coração acelerou. E quando a tela exibiu um filme institucional que dizia que a emoção do cinema é insubstituível, eu chorei. O cinema sempre fez parte da minha vida, ia três, quatro vezes por semana antes da pandemia. Não ia fazia sete meses. O filme era bom, o elenco era ótimo e, por um par de minutos, tive a sensação de que estava vivendo de novo um pouco da minha antiga vida, uma vida que eu adorava."
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