ESPECIAL PARA O ESTADÃO Nos anos 1950 e 60, quando ainda não havia internet, Diana Vreeland já era o que hoje se chama de influencer. Pitonisa da moda, ela avalizava tendências e influenciava mudanças comportamentais a partir de Nova York, na Vogue e na Harper’s Bazaar, duas publicações icônicas das quais foi editora-chefe. Em 2012, Lisa Immordino Vreeland biografou a avó do marido - é de onde vem seu sobrenome ilustre - em Diana Vreeland, The Eye Has To Travel. Mais recentemente, Lisa resolveu cinebiografar outro personagem relevante dos EUA nos anos 1950 e 60, o escritor Truman Capote. Descobriu que ele já estava sendo cinebiografado. Estava a ponto de desistir quando seu produtor deu a ideia: por que não fazer um filme sobre Capote e outra figura destacada do período, como Tennessee Williams?
Truman & Tennessee: Uma Conversa Íntima chega diretamente no streaming, na carteira do Sesc Digital. Truman e Tennessee tinham muita coisa em comum. Eram sulistas, alcoólatras, homossexuais. Beneficiaram-se de uma janela que lhes permitiu sair do armário e assumir-se, graças ao que, aos olhos do público, era uma excentricidade permitida aos artistas. Lisa conversa com o Estadão, pelo telefone, de Paris. Está na capital francesa, a trabalho. “Estou aqui finalizando um projeto comercial sobre o qual não vou falar. Mas no ano que vem estarei de volta para prosseguir minha pesquisa e iniciar a filmagem do meu próximo doc, que será sobre Jean Cocteau.” Lisa conta que a proposta de reunir Truman e Tennessee acendeu uma luzinha no seu imaginário.
“Lembrei-me de que, nos anos 1930, a Vanity Fair iniciou uma série de diálogos impossíveis, que não ocorriam de fato. Por exemplo, Greta Garbo e o presidente Calvin Coolidge. A série toda era ilustrada pelo artista mexicano Miguel Covarrubias, ligado a Frida Kahlo e a Diego Rivera.” A ideia do diálogo impossível foi inspiradora. “Na verdade, a par de tudo que havia em comum entre eles, eram amigos. Tennessee era mais velho, mas, além de forças criativas extraordinárias que exerceram grande influência na cultura norte-americana do século passado, eles também tiveram que lutar por afirmação e reconhecimento.”
Muita gente reclama que o formato escolhido por Lisa - nunca o diálogo real, mas o contraponto de falas de um e outro em diferentes momentos da vida e das circunstâncias - não se presta a um aprofundamento psicológico. Por mais que isso possa ser verdadeiro, o espectador chega ao final de Truman & Tennessee não apenas sabendo muito sobre os personagens, mas também sobre o mundo em que viveram.
Entrevistas
Ambos deram entrevistas a Dick Cavett, na TV norte-americana. O apresentador tentava, e muitas vezes conseguia, penetrar na intimidade de ambos. Fazia-lhes as mesmas perguntas inquiridoras sobre sexo. “Não consigo imaginar hoje em dia apresentadores falando dessa maneira com seus entrevistados. Com certeza isso foi importante para definir a conversa íntima que eu queria estabelecer entre meus personagens.”
Tennessee era crítico em relação à própria decadência. “Nunca mais recebi críticas positivas depois de A Noite do Iguana.” Viveu quebrado pelos sucessivos fracassos no teatro e devastado pela morte - vítima de câncer - do companheiro, Frankie. Nunca fez segredo de sua homossexualidade, mas também não militava por direitos, nem mesmo após a tragédia de Stonewall. “Embora o cinema tenha ajudado a popularizar suas grandes peças - Zoo de Cristal, Um Bonde Chamado Desejo, Gata em Teto de Zinco Quente, O Doce Pássaro da Juventude, A Noite do Iguana -, ele desautorizava as adaptações, sugerindo que os espectadores vissem os filmes até cinco minutos antes do fim. O moralismo de Hollywood levava os diretores a edulcorar os desfechos, até mesmo indo na contramão do sentido das peças.”
A amizade “intelectual” começou à distância, como admiração, quando Tennessee tinha 29 anos e Truman apenas 16. Truman amava o grande romance norte-americano - Moby Dick, de Herman Melville -, Tennessee, os grandes russos, leia-se Chekhov.
Inveja
Ambos admitiam ter inveja de seus pares, eram supersticiosos e bebiam além da conta. São dublados por Zachary Quinto (Tennessee) e Jim Parsons (Capote), os dois também gays assumidos, em outro momento da história do movimento LGBT+. Lisa conta que, apesar da extensa pesquisa e da quantidade de material, o filme não foi difícil de montar. “Na verdade, a partir da definição do que seria a estrutura, tudo ficou mais fácil. Acredite, não sobrou muito material que não tenha sido integrado ao filme.”
Lisa lembra que Truman não ficou contente quando a Paramount e o diretor Blake Edwards escolheram Audrey Hepburn para o papel de Holly Goolightly na adaptação de Breakfast at Tiffany’s, lançado no Brasil como Bonequinha de Luxo. Truman escreveu a história com Marilyn Monroe na cabeça. O filme estreou em 1961. Recebeu indicações importantes para o Oscar, incluindo a de Audrey como melhor atriz. Venceu como melhor canção, Moon River, de Henry Mancini e Johnny Mercer, lindamente cantada por Audrey. Na sequência, Truman embarcou para a maior aventura literária de sua vida. Baseado no brutal assassinato de uma família na cidade de Holcomb, no Kansas, em 1959, ele concebeu o que chamou de romance de não ficção, narrando os antecedentes do crime, a investigação da polícia, o julgamento e a execução dos assassinos.
“Todo o processo foi desgastante para Truman, que inclusive se envolveu pessoalmente com os assassinos. Ele não estava preparado para a repercussão alcançada pelo livro, que virou filme. É curioso, A Sangue Frio saiu em 1966, na fase de declínio de Tennessee, que coincidiu com a de maior prestígio de sua carreira.” Mas ele entrou num processo destrutivo, não publicando mais nenhuma outra obra completa em vida. Nos anos 1970, permaneceu na mídia como celebridade, participando de talk shows e abrilhantando as noitadas do Studio 54 de Andy Warhol. Em 2005, foi cinebiografado por Bennett Miller em Capote, e Philip Seymour Hoffman ganhou o Oscar pelo papel.
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