No primeiro semestre de 2024, três filmes sobre grandes figuras do cenário musical estrearam nos cinemas ou streaming: Sidney Magal com Meu Sangue Ferve por Você; Back to Black, sobre Amy Winehouse; e o documentário de The Beach Boys, no Disney+.
Mais do que algo de momento, é um movimento no cinema que não parece ter fim. Afinal, Timothée Chalamet, o novo queridinho de Hollywood, será o novo Bob Dylan na cinebiografia A Complete Unkown (ainda sem título em português), previsto para dezembro deste ano. Já Britney Spears revelou, recentemente, que sua autobiografia terá a história transportada também para as telonas, com o envolvimento do diretor Jon M. Chu, de Podres de Ricos.
Aliás, esse mercado está tão agitado que o sobrinho de Michael Jackson, Jaafar Jackson, será o responsável por viver o protagonista do filme Michael, a cinebiografia do tio famoso (Jaafar é filho de Jermaine Jackson, um dos integrantes do The Jacksons 5). Michael tem previsão de ser lançado em 2025.
Sucesso não é recente
Filmes sobre grandes músicos acompanham a chegada do cinema falado e, principalmente na década de 1990 e início dos anos 2000, o subgênero ganhou fôlego com Ray, Johnny & June e Amadeus. Depois, uma brevíssima pausa nessas histórias até a retomada, já na segunda metade dos anos 2010, com o estrondoso sucesso de Bohemian Rhapsody, também premiado na temporada.
A partir daí, não parou mais. Produtores, na ânsia de competirem com serviços de streaming, perceberam que as cinebiografias sobre músicos poderiam ser uma forma de ampliar a experiência do espectador, fazendo valer o ingresso do cinema. Você pode se sentir dentro de um show, compartilhando o momento com as pessoas ao seu redor.
Seguiram-se, assim, produções sobre Elton John, Bob Marley, Elvis. No Brasil, nós também vimos um crescimento dessas histórias sobre músicos e cantores, com Saudosa Maloca, Meu Nome é Gal, Nosso Sonho e afins. É um fenômeno que atravessa mercados de cinema em busca do público.
Sair da mesmice
A grande questão que fica é: como inovar nessas histórias? Como não fazer mais do mesmo? Como conseguir trazer algo para que o público não fique cansado de novo?
Depois de Bohemian Rhapsody, é difícil encontrar um filme que siga o bê-a-bá de começo, meio e fim. Infância, vida e morte. Elvis é o que mais se aproxima disso, mas a extravagância do cineasta Baz Luhrmann, que gosta de brincar com giros de câmera, caleidoscópios e afins, coloca tempero na equação, deixando o filme estilizado e criativo.
Já One Love, sobre Bob Marley, e Back to Black seguiram pelo caminho de tentar encontrar um recorte específico de tempo. No longa de Amy Winehouse, o início do sucesso. No do jamaicano, vemos a vida logo após o primeiro atentado – e a obrigação de morar fora, exilado de seu país. É uma maneira de tentar fugir da fórmula, ainda que os dois filmes não sejam realmente bons: One Love é quase caricato, Back to Black erra no retrato de Amy ao focar mais nas drogas do que na música.
“A gente escolheu uma janela para contar a história de uma pessoa em duas horas”, diz Reinaldo Marcus Green, em coletiva de imprensa feita à distância, na época de estreia de One Love. “Decidimos contar a história que mudaria a vida de qualquer pessoa em um momento histórico e, com isso, acho que nós conseguimos passar a essência de Bob”.
No Brasil, dois casos trouxeram ar de inventividade às cinebiografias musicais: Saudosa Maloca, em que a história de Adoniran Barbosa é reimaginada como se o sambista estivesse no mundo de seus personagens, e no filme de Sidney Magal que, bebendo da fonte de Rocketman, sobre Elton John, insere cenas musicais dentro da cinebiografia.
Além disso, Meu Sangue Ferve por Você se afasta da estrutura tradicional ao abraçar uma história romântica sobre o casamento de Magal com Magali West.
“Temos muitos filmes de origem. Rocketman é a origem de Elton John, Bohemian Rhapsody é a origem de Freddie Mercury. A gente não só tentou ser diferente como musical, como fizemos uma história não de origem do Magal, mas a origem de um amor verdadeiro”, diz o diretor Paulo Machline.
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E no streaming?
Enquanto cinebiografias musicais são lançadas uma atrás da outra nos cinemas, o streaming acaba focando em outra experiência: documentários mais aprofundados sobre cantores e bandas, muitas vezes até divididos em episódios e longas horas de duração.
Bon Jovi acabou de ganhar uma série e, na época de lançamento, o diretor Gotham Chopra falou como esse formato, com quatro episódios de cerca de uma hora cada, era o ideal para falar sobre a banda. “A gente tinha que lidar com muito material”, disse ao Estadão. “Não tínhamos como condensar isso em menos tempo. Trabalhamos com o que era possível”.
The Beach Boys, documentário do Disney+ sobre a banda que dá título ao filme, não é dividido em episódios, mas também consegue condensar uma quantidade interessante de informações em duas horas. São várias entrevistas, uma atrás da outra, e imagens de arquivo que ajudam a ampliar o que sabemos sobre a banda – um filme feito para fãs.
Pode parecer cansativo, mas acaba saindo na frente de filmes como Back to Black, que não trazem nenhuma novidade, ou de One Love, sem nenhum detalhe criativo. É melhor ter mais informações do que condensar pouca história em algo que não te causa nenhum impacto.
Outro exemplo divertido é o documentário A Noite que Mudou o Pop, que estreou na Netflix no começo do ano e que fala sobre os bastidores da gravação da canção We Are the World.
São documentários que até podem sempre seguir a mesma estrutura, mas que funcionam no streaming. Não há essa busca por ampliar a experiência do espectador para que ele se sinta no estádio com seu artista preferido, mas sim contar mais histórias e aprofundar sobre a vida daqueles que marcaram gerações. Nos últimos tempos, estão funcionando melhor do que os lançamentos nos cinemas, com histórias mais saborosas e passando mais verdade.
O fato é que o futuro nos reserva uma quantidade impressionante de cinebiografias e não há sinal de que isso vai parar tão cedo. O desejo é que os produtores entendam que, mais do que recortes, é interessante trazer verdade nessas produções – como acontece com os documentários – e estilo próprio, com certa ousadia, como vimos em Elvis.
Produções industriais, sem vida, não vão conseguir reproduzir o que de melhor há em um artista e, acima de tudo, não vão trazer de volta esse público que se mantém longe dos cinemas.
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