‘Círculo Fechado’: nova e intrigante série da HBO tem trama tão complexa que diretor quase desistiu

Steven Soderbergh diz que pensou, ao ver primeira versão da história: ‘É fisicamente impossível. Tive o pressentimento de que seria uma loucura de proporções lendárias’. Leia entrevista

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Por Elisabeth Vincentelli

THE NEW YORK TIMES - A primeira vez que o diretor Steven Soderbergh e o roteirista Ed Solomon trabalharam juntos foi no mistério de assassinato Mosaic (2017), que pode ser visto como uma história estilo escolha-sua-própria-aventura em um aplicativo de smartphone ou como uma minissérie de seis episódios na HBO (disponível no HBO Max).

Mosaic atraiu críticas mistas, mas os dois aprenderam muito no processo. Para sua colaboração seguinte - que acabou se tornando a série de seis partes Círculo Fechado, no HBO Max - eles imaginaram mais uma história que teria duas versões distintas e filmadas separadamente: uma contada de maneira clássica e linear, outra que apresentaria os mesmos eventos contados de diferentes perspectivas e cujo significado mudaria dependendo do caminho escolhido pelo espectador.

Lisa Janae, esquerda, Timothy Olyphant e Claire Danes em uma cena de 'Círculo Fechado', minissérie de Steven Soderbergh para a HBO Max. Foto: Sarah Shatz/HBO Max

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A ideia recebeu sinal verde em 2021, e Solomon começou a escrever duas versões que contariam a mesma história de maneira diferente. Então, na primavera passada, a realidade bateu à porta.

“Quando recebi o cronograma e vi o número de dias e a contagem de páginas só da versão linear, pensei: ‘É fisicamente impossível’”, disse Soderbergh em recente entrevista conjunta com Solomon. Ele acrescentou: “Tive o pressentimento de que seria uma loucura de proporções lendárias”.

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Soderbergh decidiu abandonar a versão fragmentada. Mas aí teve de contar a Solomon, que já tinha escrito 175 páginas além dos seis episódios lineares.

“Eu estava evitando esse almoço”, disse Soderbergh. Mas acontece que Solomon já concordava com ele. “Era coisa demais”, disse ele.

Steven Soderbergh, diretor de 'Círculo Fechado'. Foto: Evan Agostini/Invision/AP/Arquivo

Existem poucas maneiras melhores de passar uma tarde do que conversando sobre cinema e televisão com esses dois, que adoram contar e assistir histórias. O currículo de Soderberg inclui sucessos de bilheteria (Onze Homens e um Segredo, Magic Mike), esquisitices ousadas (Confissões de uma Garota de Programa) e a estranha cinebiografia de Liberace (Minha Vida com Liberace). O de Solomon geralmente tem um tom mais cômico, com filmes como Bill & Ted - Uma Aventura Fantástica e Homens de Preto.

Juntos, seus esforços tiveram uma inclinação decididamente noir: entre suas duas séries está o filme policial dos anos 1950 Nem um Passo em Falso (2021), para a HBO Max. A premissa de Círculo Fechado segue o exemplo, inspirada em Céu e Inferno (1963), filme de suspense de Akira Kurosawa: e se houvesse um sequestro, mas levassem a criança errada?

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Mesmo sem ramificações, a história oferece muitas camadas e reviravoltas, alternando duas famílias num emaranhado improvável: uma é a família de um chef famoso de Manhattan, interpretado por Dennis Quaid (com Claire Danes como sua filha e Timothy Olyphant como seu genro de passado misterioso); a outra família, liderada por uma matriarca criminosa (CCH Pounder), está enraizada numa comunidade guianense na cidade de Nova York. No meio delas está uma inspetora do Serviço Postal desonesta, interpretada por Zazie Beetz (Atlanta).

Os métodos e a história de estreita colaboração de Soderbergh e Solomon os ajudaram a mudar rapidamente e adaptar a série à medida que avançavam.

“As cenas iam sendo reescritas, as falas eram inseridas no meio do processo”, disse Phaldut Sharma, ator britânico que interpreta o braço direito de Pounder, em videochamada recente. “Foi minha primeira experiência de trabalho nos Estados Unidos e achei que era normal, mas algumas pessoas da equipe me disseram que não é assim que as coisas acontecem normalmente”.

Soderbergh, 60 anos, e Solomon, 62, se sentaram para uma longa conversa no escritório de Soderbergh, no bairro de Tribeca, no Baixo Manhattan. Aqui vão trechos editados da entrevista.

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Steven trabalha rápido, editando a si mesmo no final de cada dia de filmagem. Como funciona o trabalho do roteirista nesse esquema?

ED SOLOMON: A gente se encontrava quase todo fim de semana, geralmente no domingo. Eu recebia uma mensagem: “Você está por aí?” O que significava: “Vou passar a tarde no escritório”. [Risos] E a gente só conversava: “Aonde esse negócio está indo? E o que isso significa para o que temos?” Ficávamos sempre reavaliando - a escrita continua quando a filmagem começa e continua ainda durante a edição. Gosto muito da fluidez desse trabalho.

STEVEN SODERBERGH: Tem que funcionar nos dois sentidos. Não posso dizer: “Ed, repense isso aqui” ou “reformule aquilo ali” sem olhar para o meu trabalho e dizer: “Estou jogando fora coisas que trabalhei duro para tentar resolver e filmar”.

SOLOMON: Às vezes, a série supera a ideia original, é por isso que é empolgante.

Círculo Fechado depende mais de detalhes do que de histórias anteriores - o personagem de Quaid, Chef Jeff, tem um rabo de cavalo que diz muito sobre sua personalidade...

SODERBERGH: Às vezes, percebo essa tendência de alimentar o espectador com a história anterior dos personagens antes mesmo de se entrar na história de fato. É algo que me incomoda como espectador e que tento evitar como cineasta. A maioria das coisas que vejo, tanto filmes quanto televisão, são muito longas. Meu lema é: se pode ser retirado e a história ainda funciona, deve ser retirado. Quero a coisa mais enxuta possível.

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Claire Danes, esquerda, e Zazie Beetz em 'Círculo Fechado'.  Foto: HBO Max/Divulgação

A atmosfera solta, às vezes desgrenhada, lembra os filmes noir da década de 1970. Eles fizeram parte das suas influências?

SODERBERGH: Estou atrás de uma espécie de precisão descoberta. Quero a construção de algo que foi pensado, mas quero que pareça que está acontecendo bem na minha frente pela primeira vez. Eu estava assistindo Operação França, os filmes policiais de Sidney Lumet dos anos 70, porque queria esse tipo de sensação.

Por que o noir atrai tanto?

SODERBERGH: É só uma forma muito cinematográfica de contar histórias. Os conflitos são claros, são interessantes. E inevitavelmente levam a uma explosão de violência, seja física ou emocional, porque a pressão aumenta no choque entre os sonhos e desejos das pessoas e a realidade - as lealdades inconstantes, a desconfiança, essas coisas todas. É um gênero muito sexy para se trabalhar como diretor.

SOLOMON: Quando as pessoas estão escondendo sua verdade dos outros - e aí as circunstâncias as pressionam e elas têm que se esforçar cada vez mais para impedir que a verdade apareça - para mim, é muito empolgante escrever coisas assim.

SODERBERGH: O gênero é um sistema excelente e eficiente de entrega de ideias. Foi construído para ter uma espécie de camada narrativa superficial e, em seguida, esse espaço temático subterrâneo no qual você pode colocar o que quiser, e é por isso que é tão divertido.

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O que mantém vocês em alerta?

SODERBERGH: Preciso de um pouco de medo para me manter alerta.

Onde estava esse medo em Círculo Fechado?

SODERBERGH: A complexidade da história, do cronograma. A sensação de que pode dar errado se você não trabalhar da melhor maneira possível. A necessidade de encontrar aquele equilíbrio de ser autocrítico sem ficar paralisado. A necessidade de tomar decisões, mas também de se dispor a dizer: “Dá para ficar melhor. Tem que ficar melhor”.

SOLOMON: Quero ser um roteirista melhor depois desse processo. Quero saber que terei aprendido muito sobre mim, sobre o projeto. Vou me esforçar a ponto de, quando sair do outro lado, seguir em frente, depois de aprender muito. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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