Em 1993 – há 27 anos -, como enviado especial do Estado à Mostra de Arte Cinematográfica de Veneza, o repórter teve a dupla oportunidade de entrevistar pela primeira vez o diretor Krszystof Kieeslowski e a atriz Juliette Binoche. Houve outro encontro com Kieslowski em Cannes, dois anos depois, e vários com Juliette, tendo sido o msais recente no fim do ano passado, quando ela veio ao Brasil para a comemoração dos 30 anos da Imovision. Mas aquele primeiro encontro foi especial. Representou um furo de reportagem. Em conversa com o repórter, só os dois num hotel do Lido, Kieslowski anunciou que estava parando com o cinema. Só iria terminar sua trilogia das cores para recolher-se. Em Veneza, ele mostrava naquele ano o primeiro dos três filmes. Bleu, ou A Liberdade É Azul.
Juliette recebeu a Taça Volpi de melhor atriz. Na Reserva Cultural, em Niterói, no começo de dezembro passado, ela lembrou o que talvez tenha sido um paradoxo. A Liberdade É Azul é um filme grave, uma tragédia e, no entanto, Kieslowski estava muito feliz durante a filmagem. Juliette guarda a lembrança de um dos sets mais leves e felizes de que participou. O oposto da história que estava sendo contada. Trois Coleurs é uma produção francesa de Marin Karmitz, que, como distribuidor, já vinha trabalhando associado ao autor polonês. O projetro surgiu como uma investigação sobre a permanência dos ideais republicanos na vida contemporânea. As três cores. Azul, branco, vermelho. Bleu, blanc, rouge. No Brasil, viraram A Liberdade É Azul, A Igualdade É Branca, A Fraternidade É Vermelha. Compõem um bloco intimista de extraordinária coerência. Ética e estética.
Bleu centra-se basicamente numa só personagem. De cara, ela perde o marido e a filha num acidente. Desespera-se. Como Emmanuelle Riva, no porão em que é confinada pela família em Hiroshima, Meu Amor, arranha as paredes com as unhas, até arrancar sangue. Desespero e dor. Mas o filme não é sobre isso, essa descida ao inferno. É sobre uma ascensão. Uma sublimação. Hollywood talvez tivesse contado essa história como a de uma segunda chance. A mulher conheceria outro homem, se apaixonaria, talvez. Não Kieslowski. O movimento é todo interior, uma coisa filosófica – metafísica. Depois que tudo lhe é tirado, a protagonista descobre a liberdade. Os demais epísódios abordam o tema da mesma forma. Em A Igualdade É Branca, polonês que foi rejeitado pela mulher francesa conhece o inferno e depois, recomposto, busca vingança. Em A Fraternidade É Vermelha, mulher atropela o cachorro de um juiz que vive isolado, bisbilhotando a vida dos outros.
A questão, para Kieslowski, é sempre a mesma. Num mundo consumista, de valores corrompidos, o que representam liberdade, igualdade, fraternidade? Cada um de seus filmes das cores celebra a arte e a beleza de uma atriz especial. Juliette Binoche, Julie Delpy, Irène Jacob. Com a terceira, ele já havia trabalhado em A Dupla Vida de Véronique, de 1991, seu último filme antes da trilogia (1993-94). Juliette venceu o prêmio de interpretação em Veneza. É sublime. E o filme ainda tem a trilha de Zbigniew Preisner, o belíssimo Concerto da Europa. Convencido a fazer outra trilogia, Kieslowski começou a escrever Paraíso, Inferno e Purgatório. Morreu em 1996. Os filmes terminaram realizados por Tom Tykwer em 2002 (o primeiro) e Danis Tanovic em 2005 (o segundo). O terceiro costuma ser identificado como Hope/A Esperança, de Ibo Kurdo e Stanislaw Mucha, de 2007, mas não tem nada a ver.
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