Clássico do Dia: 'Assim Caminha a Humanidade', a grande despedida de James Dean

Todo dia um filme será destacado pelo crítico do 'Estado', como este em que o jovem ator dividiu cena com Elizabeth Taylor e Rock Hudson

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George Stevens ainda não lançara Shane, e trabalhava nos detalhes finais de seu western clássico, mas já pensava no póximo projeto. Queria um filme que prosseguisse com sua investigação da vida norte-americana. Com o tempo, Um Lugar ao Sol, Os Brutos Também Amam e Assim Caminha a Humanidade viriam a ser encarados como uma trilogia informal sobre a formação da América, mas em maio de 1952, Giant, o livro, ainda nem existia. Um trecho foi publicado em The Ladies Day Journal e Stevens, mesmo sem ler – a revista anunciava que seria o próximo grande best seller -, instruiu sua secretária para comprar os direitos. A escritora Edna Ferber não quis nem saber. Disse que Hollywood se aproveitava de sua popularidade e fazia filmes rentáveis dos quais ela quase não via a cor do dinheiro.

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Foram três anos de negociações até que, em maio de 1955, uma caravana de jornalistas foi levada ao Texas para o lançamento do projeto. Stevens e seus associados – o produtor Henry Ginsberg e Edna – formaram uma joint para produzir o que seria o filme da década. O evento era para apresentar o elenco. Estavam presentes Elizabeth Taylor, com quem Stevens fizera Um Lugar ao Sol, e Rock Hudson, emprestado da Universal, onde reinava nos melodramas de Douglas Sirk. O diretor havia feito Place in the Sun e Shane sob a bandeira da Paramount, mas Giant seria produzido e distribuído pela Warner. O terceiro vértice do triângulo era um jovem astro que despontava no estúdio, com dois filmes emblemásticos que fizeram dele o rebeldeepor excelência da época.

James Dean já havia feito Vidas Amasrgas, de Elia Kazan, e Juventude Trasnsviada, de Nicholas Ray, que nem fora lançado. Chegou tarde, mal-educado, malvestido e esse começo um tanto enviesado marcou o início de uma relação que foi tudo, menos tranquila. Stevens já era considerado 'o' mestre, 'o' perfeccionista'. A Warner, por sinsal, estava preocupada, porque investira muito dinheiro e o prazo era curto, pouco mais de um ano, para um filme grande, previsto estrear no segundo semestre do ano seguinte. Steverns tinha fama de gênio, mas também de lento, demorado. Filmava todas as cenas de diversos ângulos, para depois escolher na montagem a melhor tomada. Isso retardava duplamente o trabalho – no set e na sala de edição. Foi, aliás, um de seus muitos atritos com Dean.

Cena do filme 'Assim Caminha a Humanidade' Foto: Warner Bros.

Giant/Gigante foi definido como 'o épico do Texas'. John Steinbeck dizia que o Texas era mais que um estado de espírito – uma religião. Edna Ferber - “Geograficamente e economicamente, a natureza dotou o Texas de dois acasos – espaço ilimitado e saúde ilimitada.” Stevens - “É claro que é uma histótrias sobre o Texas, mas só porque o Texas, nesse momento, representa o sonho americano de uma forma particular – é o espaço onde talvez exista a maior possibilidade de realização dos objetivos materiais.” Na história, um rico proprietário de terras busca uma esposa no Leste. Jordan Benedict III tem terras e gado a perder de vista. Casa-se com Leslie. Ela é uma mulher culta, sofisticada, liberal (além de belíssima). Desafia, com suas atitudes, os códigos machistas e racistas do Texas, onde os chicanos são os novos escravos – cidadãos de segunda categoria.

A irmã de Jordan, Luz, toma sob sua proteção um agregado, Jett Rink. Branco, pobre e racista. Ao morrer, deixa-lhe um pedaço de terra. Jett, ostensivamente, deseja Leslie. Para se livrar dele, Bick, como é chamsado, tenta comprar suas terras. Jett recusa, descobre petróleo na sua pequena propriedade. Fica milionário. Bick também enriquece além da conta. E tudo converge para esse banquete em que o agora velho Jett será homenageado. Bick e a mulher chegam com seu entourage, incluindo o filho, que se casou com uma chicana. Ela é hostilizada pelo pessoal de Jett, que é desafiado por Bick. Brigam a socos. De volta para casa, o casal de velhos, Bick e Leslie, passa por uma lanchonetede beira de estrada, onde o dono racista aceita servir o neto chicano do grande Benedict, mas enxota a patadas outra família. De novo, Bick parte para o pau. Apanha, mas finalmente vira herói aos olhos de Leslie. Ao brigar por direitos, não apenas pela família.

Espaço ilimitado. No início, a propriedade dos Benedict é esse território imenso com a casa, Reata, no meio do que parece nada. Com o dinheiro – e o impulso civilizatório de Leslie -, Reata torna-se o centro de todo um universo de pessoas que ela agrega. Stevens resolve genialmente os problemas de espaço e tempo, já que a narrativa se prolonga por décadas. Foi uma rodagem copmplicada. Don Graham conta tudo num livro – Giant, Making of a Legendary American Film -, editado pela The Library of Congress. Dean queixava-se de que o diretor privilegiava Liz e Hudson. Esse último interpretava o macho americano, só bem depois, ao se asumir como soropositivo, Hudson saiu do armário. Os meses no Texas foram de isolamento para ele. Toda noite, Liz e Hudson enchiam a cara no bar do hotel, sedimentando a amizade que durou até o fim da vida dele.

Dean reagia dirigindo a toda velocidade, o que Stevens proibiu no set. Para Jimmy, o diretor representava o establishment de Hollywood e ele passou a peitá-lo. Deixava claro que o método e Stevens era, para ele, a perfeita armação de um diretor que não tinha noção do que era mise-en-scène. E Dean irritava-se com as multidões que, de todo o Texas – de todo os EUA -, acorriam só para ver o elenco. A Warner estimulava as caravanas, que representavam publicidade gratuita. O público era mantido à distância, separado por cercas, como gado. Dean provocava. Naquele rincão da América puritana, sem o menor pudor, seu passatempo preferido era abrir o zíper e urinar voltado para a multidão. Até onde se sabe, James Dean era ambivalente, em matérias de sexo, mas naquele set, talvezpara se impor a Hudson, era o macho. Dennis Hopper, que fazia o filho dos Benedict - e atuara com Jimmy em Juventude Transviada -, conta que ele tinha um prazer perverso em embaraçar Hudson, beijando-o no rosto, diante da equipe.

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Imagens de Assim Caminha a Humanidade tornaram-se icônicas. Jett junto ao carro, com Leslie a seus pés e ele carrega o rifle nos ombros,apoiando os braços em forma de crucifixo. Jett no carro com Reata ao fundo. Terrence Malick bebeu nessas imagens para construir a própria iconografia em Terra de Ninguém/Badland e Cinzas do Paraíso, nos anos 1970. Cenas emblemáticas nasceram de atritos entre o diretor e o jovem astro. Stevens queria que Dean fizesse de um jeito a cena em que Jett mede apropriedade e sobe na caixa d'água. Dean fez do jeito do diretor e do dele. Stevens deu o braço a torcer, e é a versão de Dean é a que está no filme.

O orçamento estourou, a produção prosseguiu em estúdio, em Hollywood, para tomadas adicionais. Em 30 de setembro, quatro meses após o início da filmagem, Dean, na direção de seu Porsche, morreu num acidente, naquela estrada em Cholame, na Califórnia. Conta a lenda que Liz teve uma crise histérica e até Stevens e Hudson, que odiavam Dean, cada um à sua maneira, ficaram arrasados. O filme estreou para o sucesso de público e crítica que todo mundo sabe. Dean e Hudson foram indicados para o Oscar de melhor ator de 1956, mas quem levou foi Yul Brynner, pelo musical O Rei e Eu, de Walter Lang. Indicado para melhor filme, também perdeu para A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Michael Anderson, produzido pelo então marido de Liz Taylor, Mike Todd. Stevens venceu o Oscar de direção, seu segundo, após o de Um Lugar ao Sol, em 1951. Com o tempo, Assim Caminha a Humanidade terminou sendo reconhecido como clássico e James Dean, em seu último papel - que ele achava que não lhe faria justiça -, virou imortal do cinema.

Onde assistir:

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