Embora o elogio possa parecer excessivo, é verdadeiro. Desde que Orson Welles fez Verdades e Mentiras, de 1975, não se via nada tão intrigante. Para reduzir o arco, pode-se citar o mais recente Diamantino, da dupla Daniel Schmidt/Gabriel Abranches, de 2018. Está nas salas uma joia do cinema brasileiro – O Rio de Janeiro de Ho Chi Minh. O filme de Claudia Mattos se inscreve na vertente do falso documentário.
Imagine o Rio de 1912/13. Tudo o que de real se passa na cidade. Revolta da Chibata, gripe espanhola. Nesse quadro, e inspirada na figura de seu avô, Claudia conta a história de um tal Faca Cega, cozinheiro a bordo de um navio da Marinha Mercante. Faca Cega ganha um ajudante oriental, e ele se chama Ho Chi Minh, Aquele Que Ilumina. Sob o impulso da ideologia socialista do cozinheiro, Ho Chi Minh transforma-se no revolucionário que foi fundamental na independência da Indochina e, depois, na Guerra do Vietnã. Jornalista antes de se tornar a cineasta talentosa que é, Claudia sabe que, na era das fake news, basta dar um formato de realidade à mentira para que ela passe por verdade. Foi assim que surgiram Faca Cega – “O nome é real, e ele existiu de fato, mas sua história, no filme, é a de meu avô” – e sua incrível amizade com Ho Chi Minh. Amizade na tela, e fora dela. Cláudia chamou o amigo Luiz Antônio Pilar, também cineasta, para fazer o neto de Faca Cega, que realiza um documentário sobre o avô. “Contei-lhe tudo o que sabia sobre meu avô e lhe dei carta branca para improvisar.”
Resultou nessa delícia de metacinema. Tudo é falso, menos as verdades. Ho Chi Minh realmente passou pelo Rio – está lá, nas datas de sua vida, registradas no imenso mausoléu vietnamita. O restante é invenção. “O filme começou a nascer há dez anos. É um produto B.O, ou seja, de baixo orçamento. Filmamos no Rio e no Vietnã, na baía de Ha Long, um dos lugares mais belos do mundo. Filmar no Vietnã é difícil, é preciso aprovação, mas eles foram muito gentis conosco. Entenderam que, por trás da mentira, há muita verdade no filme e ele é afetuoso com seu herói nacional.” Uma grande cena. Léa Garcia como a avó de Pilar, discutindo com o neto sobre uma suposta amante de Faca Cega. “Filmamos em dois takes, foi maravilhoso, os dois inventando.”
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