Como foi a última sessão do Cinearte

Clima de tristeza tomou conta do cinema que encerrou as atividades nesta quarta-feira

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A quarta-feira, 19, começou ensolarada, mas ficou cinzenta e chuvosa rapidamente após a divulgação da notícia de que o Cinearte, tradicional sala de cinema localizada no Conjunto Nacional, em São Paulo, fecharia as portas em definitivo, por falta de patrocínio.

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Do lado de fora, os carros disputavam espaço no congestionado trânsito da avenida Paulista e as pessoas se acotovelavam nos ônibus multicoloridos e na entrada da estação Consolação. A cidade parecia pulsar como em qualquer dia de semana, indiferente à melancolia do Cinearte

O filme responsável por encerrar as atividades do Cinearte foi Parasita, dirigido por Bong Joon-Ho. Mas a estrela principal da noite não era o longa, e sim a sala. Cerca de 50 pessoas, incluindo a reportagem do Estado, acompanharam a exibição do filme sul-coreano vencedor de quatro estatuetas do Oscar. A sala 1, com seu clássico piso de taco, comporta 300 espectadores.

Tudo correu conforme o script: cheiro de pipoca, uma ou outra pessoa no celular, trailers anunciando os futuros lançamentos. Porém ninguém veria esses filmes no Cinearte.

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"Temos uma relação de afeto com esse cinema", diz o advogado Felipe Souza, que foi assistir à última sessão do Cinearte com a servidora pública Larissa Freitas. 

"A cidade perde um aparelho cultural, perde uma opção de filmes diferenciados", disse ela, com o olhar marejado. O casal já havia assistido a Parasita, mas decidiu repetir a dose quando ficou sabendo da notícia.  

"Enquanto todos os cinemas estavam lotados só com Vingadores, esse foi um ponto de resistência. É preciso ter essa diversidade", completou Felipe.

Ana Maria Gomes, funcionária que vendeu os últimos ingressos do Cinearte, estava com a voz embargada quando contou que os funcionários ficaram sabendo no mesmo dia sobre o fechamento do cinema. "Mas eu não quero falar nada não", disse. "Vou guardar meu sentimento para mim."

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Fechamento do Cinearte causou comoção entre os cinéfilos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Clara Vasconcelos, com os olhos vermelhos como seus cabelos ruivos, estava enlutada pelo cinema. "Não é só esse, é uma série de cinemas de rua que vêm fechando e as pessoas são cada vez mais obrigadas a ir para os shoppings", lamenta ela. "Eu, que gosto de cinema, vou cada vez menos ao cinema, por que não gosto de ir em shopping."

O distribuidor Adhemar Oliveira, responsável pelo circuito, não dá grandes esperanças para o retorno às atividades e lamenta: "Chega uma hora que não é possível continuar". Para ele, os cinemas de rua cumprem um papel importante, de ampliar a variedade de filmes disponíveis na cidade. "Nem sempre passamos um sucesso de bilheteria aqui, mas mesmo assim continuamos exibindo. Se for para passar blockbuster, é melhor abrir um multiplex", afirma Oliveira. "Eu entrei no cinema por paixão, não por negócio."

Entre os espectadores que acompanharam a última sessão do Cinearte esteve a produtora Assunção Hernandes, que lamentou: "É um empobrecimento para São Paulo. Os cinemas de rua têm um acesso melhor e mais democrático, são um espaço de convivência e, principalmente, oferecem uma programação de qualidade. Trazem filmes que contribuem para a nossa vida, que precisam ser assistidos."

Cinearte foi inaugurado em 9 de março de 1963 e teve vários nomes ao longo dos anos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O cinéfilo Aureliano Lazinho lamenta os fechamentos de cinemas de rua, lembra-se de quando assistiu o primeiro Star Wars, em 1977, em um cinema na Avenida Ipiranga. Ele foi assistir à penúltima sessão do Cinearte (Judy: Muito  Além do Arco-íris, de Rupert Goold) com a filha, quando soube da notícia. "Sou da época em que a gente lia a crítica do jornal fixada na parede do cinema. Era uma outra época, hoje em dia não tem mais nada disso", lamenta ele, nostálgico.

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"O sentimento é de tristeza", resume um dos funcionários, que pediu para não ser identificado. "O cinema de rua é diferente, é um público diferenciado. Aqui tem funcionários com mais de 20 anos de casa." 

Poucos meses após o Cine Belas Artes quase encerrar suas atividades, e depois ganhar patrocínio da Petra, por falta de patrocínio, agora foi o Cinearte, localizado no Conjunto Nacional, que fechou as portas.

O fim do Cinearte vem quase um ano após o anúncio de que a Petrobras deixaria de patrocinar suas duas salas de exibição - e quase 57 anos após a inauguração do cinema, então chamado Cine Rio, com 500 lugares. Após um hiato de quatro anos fechado, o estabelecimento teve vários nomes: Cine Arte Um, Cine Arte, Cine Bombril, Cine Livraria Cultura...

'Parasita' foi o último filme exibido no Cinearte Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O escritor Larry McMurtry, em A Última Sessão de Cinema (1966), levado ao cinema em 1971 por Peter Bogdanovich, mostra a decadência de uma cidadezinha do interior do Texas tendo como fio condutor a vida social dos jovens do vilarejo em torno de um cinema que está prestes a fechar. A vida imita a arte, mas dessa vez é a Avenida Paulista, coração da maior cidade do País, que agoniza com a perda de um cinema. 

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