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Como Hollywood deixa de vender ingressos a um dos maiores públicos de cinema (e se afunda em crise)

As pessoas com deficiência (PCD) são um “público enorme, leal e engajado” que pode voltar a alavancar assinaturas no streaming e ingressos de cinema, mas continua a ser mal atendida pelo setor audiovisual.

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Por Brandon Mioduszewski (The Washington Post)
Cena do filme 'Toda Luz Que Não Podemos Ver', que apresenta personagem parcialmente cega e se tornou um dos maiores sucessos da Netflix Foto: Atsushi Nishijima/Netflix

Hollywood luta contra o público baixo e várias opções de streaming, mas o setor está negligenciando uma fatia demográfica que poderia impulsar a venda de ingressos e assinantes digitais: as pessoas com deficiência.

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Um novo relatório da Inevitable Foundation mostra que as pessoas com deficiência são um “público enorme, leal e engajado”, mas que continua a ser mal atendida pelo setor audiovisual.

“Como é possível que o maior grupo minoritário dos Estados Unidos seja o mais invisível?”, perguntou o presidente da Inevitable, Richie Siegel, em uma entrevista. “Essa é uma enorme oportunidade comercial e um mercado inexplorado que está sendo ignorado pelo setor.”

A Inevitable Foundation, que oferece bolsas de estudo para escritores e cineastas com deficiência, fez uma pesquisa com 1.000 pessoas, metade com deficiência e metade sem deficiência, e descobriu que 66% do público está insatisfeito com as representações atuais da deficiência e da saúde mental no cinema e na TV.

O Greenlight Disability Report, divulgado na quarta-feira, 17, também constatou que o público com deficiência assiste mais à TV do que o público sem deficiência, sugerindo que as histórias com representação mais autênticas de PCDs gerarão maior envolvimento do espectador.

A baixa frequência nos cinemas, as perdas contínuas em streaming e os efeitos persistentes das greves de atores e roteiristas no ano passado levaram a uma redução nos gastos com cinema e TV em Hollywood.

Os esforços de diversidade e inclusão, que estão estagnados em muitos setores desde 2022, de acordo com a pesquisa da Glassdoor, geralmente estão entre os primeiros a serem cortados. Mas priorizar a diversidade pode ser benéfico para os resultados financeiros de Hollywood.

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Cerca de 27% dos adultos nos EUA têm algum tipo de deficiência, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Mas esse grupo representa apenas 4,7% dos atores de filmes em streaming e 7,1% dos atores de filmes teatrais, conforme o Relatório de Diversidade de Hollywood da UCLA de 2024.

Em 2023, a maioria dos principais lançamentos no cinema não incluía atores com uma deficiência conhecida no elenco principal, e aqueles com uma deficiência visível foram totalmente excluídos.

Hollywood assumiu de frente alguns grandes temas sobre deficiência e foi recompensada no passado.

O filme original da Apple, No Ritmo do Coração (2021), sobre uma jovem aspirante a cantora que é a única pessoa com deficiência auditiva em sua família, ganhou três estatuetas do Oscar em 2022, incluindo o de Melhor Ator Coadjuvante para Troy Kotsur, o primeiro ator surdo a ser indicado. Ele também fez da Apple TV+ o primeiro serviço de streaming a levar para casa o Oscar de Melhor Filme.

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A minissérie da Netflix Toda Luz que Não Podemos Ver, baseada no romance best-seller de Anthony Doerr sobre uma garota francesa cega que ajuda a Resistência na Segunda Guerra Mundial, estreou em primeiro lugar nas paradas de TV em inglês quando foi lançada em 2023. A atriz Aria Mia Loberti, que interpreta a garota, é parcialmente cega.

Embora ainda sejam raros os filmes que incluem uma representação autêntica de deficientes ou que são dirigidos por criativos com deficiências, os dados mostram que os filmes com elencos mais diversificados em geral são mais lucrativos.

Em 2023, os filmes com elenco composto de 41% a 50% de negros, indígenas e pessoas de cor tiveram o maior retorno sobre o investimento, impulsionado por Fale Comigo, M3GAN e Jogos Mortais X , mostra o relatório da UCLA.

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Emilia Jones e Troy Kotsur em cena do filme 'No Ritmo do Coração', de Sian Heder Foto: Apple TV+

O recente sucesso de bilheteria de Bad Boys: Até o Fim, que apresenta dois protagonistas negros, sugere que o público irá aos cinemas para ver uma maior variedade de representação nos filmes de grande sucesso de bilheteria de Hollywood.

Os jovens, em especial, querem ver mais filmes que representem a diversidade da população dos EUA, disse Ana-Christina Ramon, psicóloga social e coautora do relatório da UCLA.

“Esse é o momento definitivo em que um historiador pode olhar para trás e identificar onde pode ocorrer uma mudança”, disse Ramon em uma entrevista. “Qualquer estúdio que se empenhe em entender o público principal, os jovens, terá imenso sucesso”.

O filme original de 2022 da Netflix, Já Fui Famoso, apresentou Leo Long, um ator neurodivergente, no papel principal de um jovem baterista autista talentoso. O filme teve uma pontuação de público de 84% no Rotten Tomatoes e alcançou o 4º lugar entre os filmes em inglês mais assistidos da Netflix uma semana após seu lançamento.

A Access All Areas, uma empresa de produção sediada no Reino Unido que atende artistas autistas e com dificuldades de aprendizagem, apoiou Long com sessões de treinamento de atuação e bateria durante toda a produção.

Nick Llewellyn, diretor artístico da produtora, atribuiu parte do sucesso do filme à honestidade da atuação de Long. “Acho que as pessoas viram sua verdade e sua vulnerabilidade, em vez de ser algo em que você se sente constrangido como público”, disse Llewellyn. “Acho que o público de hoje está interessado em se conectar com a verdade e a individualidade em um nível de humano para humano.”

Êxodo da diversidade

O êxodo de líderes mulheres negras no verão passado, muitas das quais lideravam iniciativas de DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) em grandes empresas de produção de Hollywood e instituições, incluindo Warner Bros. Discovery Inc. e Walt Disney Co., levantou preocupações sobre o futuro da representação equitativa no cinema e na televisão. Algumas organizações focadas em esforços de diversidade na indústria sentiram diretamente o impacto do declínio nos investimentos em DEI em Hollywood.

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Um desses grupos é o Creative Futures Collective, que encontra oportunidades no setor de entretenimento para aqueles que vêm de origens sub-representadas e marginalizadas. O cofundador Jai Al-Attas disse que notou que as empresas buscaram esforços de diversidade imediatamente após a morte de George Floyd, mas no final de 2022 muitas empresas haviam se afastado dessas iniciativas.

'Bad Boys: Até o Fim' demonstra que longas com diversidade rendem mais interesse e, consequentemente, ingressos e assinaturas  Foto: Divulgação/Universal

“Tínhamos acordos com corporações que eram negócios fechados, e então elas se tornaram fantasmas”, disse Al-Attas em uma entrevista. “Obviamente, ninguém veio a público e disse que a diversidade não é mais uma prioridade da empresa - eles sempre culpam as condições do mercado”.

A Inevitable Foundation também foi impactada pelas contrações do setor.

“Quando começamos em 2021, tivemos um sólido sucesso em conseguir estúdios e streamers para o trabalho”, disse Siegel. “Nos últimos dois anos, descobri que a Netflix é a única empresa que financiou esses tipos de projetos, enquanto praticamente todas as outras empresas do setor se retraíram”.

À medida que o setor cinematográfico examina os orçamentos e se torna mais criterioso com relação aos filmes que produz, Siegel argumenta que investir em esforços de representação poderia ajudar a remediar os problemas de Hollywood.

“Todo mundo está lutando por lucratividade e atenção, por que não olhar para esse público que não é explorado e não é atendido?”, perguntou ele.

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