Análise | Como ‘Minha Irmã e Eu’ dribla crise de público do cinema nacional e supera 1,5 milhão de ingressos?

Filme com Ingrid Guimarães e Tatá Werneck conseguiu um sucesso raro nos últimos anos do cinema brasileiro. Veja os caminhos que ele pode apontar para uma possível recuperação no setor

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Em uma entrevista por telefone, a poucos dias da estreia de Minha Irmã e Eu, Ingrid Guimarães admitia estar ansiosa. Agora, quando o filme já ultrapassou o milhão e meio de espectadores – e corre para os dois - pode-se dizer que ela estava preocupada à toa.

Ingrid, Tatá Werneck, a história on the road (“na estrada”), com um pouco de tudo – humor, drama, romance, sexo -, se juntaram para sedimentar o sucesso do longa, mas não parecia tão fácil assim. “Sempre fico ansiosa, com aquele frio na barriga, mas dessa vez mais que nunca”, Ingrid dizia há menos de um mês.

A pandemia mudou a relação do cinema brasileiro com o público. Muita gente prefere ficar em casa, à espera do lançamento no streaming. Sei disso porque sou contratada da Amazon e nosso filme, O Primeiro Natal do Mundo, meu e do Lázaro (Ramos), é um super sucesso no Prime Video.

Ingrid Guimarães

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A própria Ingrid possui números mais expressivos com De Pernas Pro Ar 1 e 2 – o 3 foi retirado de cartaz para ceder o circuito a um blockbuster de Hollywood -, e a diretora Susana Garcia simplesmente detém o recorde de público, o maior de todos na história do cinema brasileiro.

É verdade que Minha Mãe É Uma Peça 3, com o qual era conquistou a marca, era um filme de Paulo Gustavo, mas é bom não subestimar o aporte de Susana, que já conquistara alguns milhões – com Paulo, foram 13! – dirigindo a irmã, Monica Martelli, em Minha Vida em Marte. Estamos falando de números, mas a questão é: Minha Irmã e Eu merece esse sucesso todo? É um bom filme? Pode apostar que sim.

Durante a entrevista por telefone, Ingrid contou que sempre quis fazer um filme com a paisagem de Goiás, colocando o estado em que nasceu na tela. Também queria contar uma história de irmãs, porque ela tem duas, Astrid e Sigrid, e sabe bem como são as tretas familiares.

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“Tem famílias que se odeiam para sempre, mas, na maioria, a briga de hoje se resolve amanhã e os laços de sangue têm um peso muito forte.” Minha Irmã e Eu começa sob o signo da crise. Ingrid e o marido estão trocando de casa e não há espaço para mamãe, Arlete Sales.

A solução não é tão radical como em Parente É Serpente, a comédia do italiano Mario Monicelli – despachar mamãe para um asilo, ou até matá-la. Ingrid acredita que a solução é mandar Arlete para o Rio de Janeiro, para a casa da irmã, Tatá Werneck.

Afinal, a irmã vive a grande vida na Cidade Maravilhosa, amiga e empresária de celebridades como Lázaro Ramos e Taís Araújo, com as quais posta fotos todos os dias no Instagram. Ao chegar no endereço, a casa de Lázaro, Ingrid provoca a maior crise.

Ingrid Guimarães e Tatá Werneck em 'Minha Irmã e Eu' Foto: Paris Filmes/ Divulgação

A irmã, na verdade, é mera funcionária, não tem eira nem beira. Passado o choque, e a fase das agressões, as irmãs unidas caem na estrada em busca da mãe. Vivem aventuras inesperadas. Tatá cavalga um touro reprodutor e Ingrid, a dona de casa certinha, termina tendo um affair com o caminhoneiro que transporta o animal e que não é outro senão o delegado Marino, da recém terminada novela Terra e Paixão.

Leandro Lima faz um cafajeste, mas essa é outra história que o público fará melhor em esperar para ver. Nessa altura da trama, as irmãs beligerantes encontram Antônio Pedro e ele dá a chave. Mamãe, no passado, queria ter tido uma carreira no palco. A família recompõe-se num show de... Chitãozinho e Xororó, cujos 50 anos de carreira a Globo, coprodutora de Minha Irmã e Eu, por meio da Globo Filmes, não cessa de comemorar.

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Um filme sobre - e para?- mulheres

Sérgio Augusto, colunista do Estadão, escreveu um livro, Esse Mundo É Um Pandeiro, sobre o lendário Oscarito e sua carreira nas chanchadas da Atlântida. Eram filmes recebidos a pedradas pelos críticos nos anos 1950, mas hoje é possível encontrar nas entrelinhas das chanchadas carnavalescas um retrato muito interessante do Brasil da época.

A campanha em favor da Petrobrás – O Petróleo É Nosso -, as paródias de grandes sucessos de Hollywood – Nem Sansão nem Dalila, Matar ou Correr -, hoje conseguimos ter um outro olhar para aqueles filmes.

Ingrid, nas comédias, sempre quis retratar a mulher brasileira de classe média. Sem ousar demais, a protagonista da série De Pernas Pro Ar encontra seu caminho na indústria (pornô?), fabricando assessórios eróticos. Ela continua ousando – afinal, ter um caso com o “gostoso da novela das 21h” pode ser um sonho de muita dona de casa insatisfeita. Ou será pesadelo?

A questão é dosar. Até onde ir com a safadeza? Tatá é desbocada por natureza, que o digam o programa de entrevistas e a personagem de Terra e Paixão. Com Ingrid, há toda uma preocupação de ousar, mas nem tanto. Não ferir suscetibilidades.

Para a atriz, e de forma muito consciente, Minha Irmã e Eu é um filme que carrega a bandeira do cinema popular brasileiro personificado por Paulo Gustavo. O próprio fato de ela estar trabalhando agora com a diretora de Minha Mãe 3 e Minha Vida em Marte – que também é com Paulo -, apenas ratifica a tendência.

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Sexo, família, expectativas pessoais. Minha Mãe 3 terminava com um discurso de Dona Hermínia em defesa da diversidade e uma série de informações sobre a família (real) do astro. Poderia ter dado errado, mas Paulo bancou e o público amou. Minha Irmã e Eu também termina com ‘mensagens’ sobre família e sororidade.

A grande questão do longa, e Minha Irmã e Eu é um filme de mulheres, feito por elas – para elas? -, já estava numa comédia de Mel Gibson. O que as mulheres querem? Os talvez principais filmes autorais do ano passado com pautas femininas – Barbie, Priscilla e Pobres Criaturas – abordam, de diferentes formas, essa mesma questão.

Em agosto passado, ao receber o Troféu Cidade de Gramado na serra gaúcha, Ingrid invocou Paulo Gustavo e fez uma apaixonada defesa do cinema para o grande público. Clamou por cota de tela e boas histórias, mas também por salas populares, porque o ingresso está caro e o cinema virou uma diversão que não cabe mais no bolso do pobre, se acrescentarmos a pipoca e o refrigerante.

Tatá Werneck e Ingrid Guimarães Foto: Divulgação/Paris Filmes

Na Mostra de Tiradentes, que ocorre no interior de Minas, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, anunciou no sábado, 21, um programa de milhões de reais para novos cinemas, principalmente em cidades do interior. Não ficou muito claro se serão construídas novas salas, ou se será o aparelhamento e modernização de salas já existentes (e talvez abandonadas).

A medida anunciada foi recebida com os maiores aplausos. Tiradentes é um exemplo. Embora abrigue um festival de prestígio internacional, com filmes autorais que terminam indo a Berlim, Cannes e Veneza, a cidade não possui cinema e todo ano uma tenda tem de ser construída, além da tela provisória instalada na praça.

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Uma história com a qual o público – feminino? – pode se identificar, um elenco de nomes conhecidos, e atraentes, mas não se pode esquecer que, por trás de tudo isso, está a Paris Filmes, que tem a expertise de mega lançamentos e veio com tudo para dar visibilidade a Minha Irmã e Eu. A Globo também entrou com chamadas, e a propaganda, todo mundo sabe, é a alma do negócio.

Quando se junta o boca a boca, aí sim fica perfeito. Como diferencial, em favor de Ingrid e seu filme, deve-se lembrar que a Paris fez o mesmo investimento com outros filmes brasileiros recentes e eles não estouraram. Ingrid e Tatá falam com as pessoas. Com esse suporte, Minha Irmã e Eu ainda tem estrada para fazer dois milhões, e mais.

Análise por Luiz Carlos Merten
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