Opinião | ‘Como Roubar um Banco’, na Netflix, mostra por que nem toda história real merece um documentário

Filme retrata história do Bandido de Hollywood, que roubou mais de US$ 2,3 milhões de bancos americanos, produziu metanfetamina, era viciado em adrenalina e escreveu sobre como encontrar seu propósito na vida; leia crítica do novo documentário disponível no streaming

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Por Alissa Wilkinson (The New York Times)

Há um lugar-comum, muito querido pela comunidade dos documentaristas, que diz que a verdade é mais estranha que a ficção. Muitas vezes está correto. Mas, nos últimos tempos, tenho me preocupado com o risco de que o excesso de conteúdo necessário para saciar a fome dos streamings esteja pondo esse axioma à prova. Nem todas as histórias merecem tratamento documental.

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Infelizmente, este é o problema de Como Roubar um Banco (na Netflix), mais um documentário sobre crimes reais. Seus diretores, Seth Porges e Stephen Robert Morse, já fizeram trabalhos excelentes – Porges foi codiretor do fascinante Class Action Park, Morse produziu o influente Amanda Knox. Mas esse filme parece mais superficial, um forte exemplo do tipo de documentário que poderia ter sido só um podcast.

O documentário conta a história real de Scott Scurlock, um sujeito de espírito livre conhecido pelos agentes da lei do estado de Washington como o Bandido de Hollywood. (Às vezes eles deixavam de lado a parte do bandido). Na década de 1990, Scurlock fez 19 assaltos a bancos na região de Seattle, roubando mais de US$ 2,3 milhões, com a ajuda de amigos e alguns disfarces elaborados.

Scott Scurlock em cena do documentário 'Como roubar um banco'. Foto: Netflix/Divulgação

Como Roubar um Banco está repleto de reconstituições dos roubos e entrevistas com amigos e parceiros, que explicam que Scurlock era uma alma gentil que vivia numa enorme casa na árvore que era um ponto de encontro para seus amigos. Ele também produzia metanfetamina, era viciado em adrenalina e escreveu muito em seus diários sobre como encontrar seu propósito na vida.

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Os policiais e investigadores são menos animados em relação a Scurlock, observando a certa altura que o assalto a banco não é um crime sem vítimas, mesmo que ninguém se machuque fisicamente. Pode ser traumático para qualquer pessoa que esteja dentro do banco e sobretudo para os caixas diante da arma. Scurlock tentou pintar seus crimes como algo altruísta e doou parte do dinheiro para amigos necessitados. Mas, ainda assim, muitas pessoas se machucaram – incluindo, em última análise, o próprio Scurlock.

Há muito o que refletir nesta história, questões que o filme sugere, mas não chega a examinar. O influxo de dinheiro para Seattle na década de 1990 fez da cidade um ótimo lugar para assaltos a bancos, como várias pessoas observam, e também a tornou um terreno fértil para movimentos punk e grunge.

Mark Biggins e Scott Scurlock em cena do documentário 'Como roubar um banco'. Foto: Netflix/Divulgação

O elemento mais interessante talvez seja o fato de Scurlock ter assistido a filmes como Fogo contra Fogo e Caçadores de Emoção para descobrir como perpetrar os crimes. O apelido Hollywood veio de seus disfarces e maquiagens, mas poderia muito bem ter vindo de sua visão de mundo. Afinal de contas, os filmes de Hollywood são a conexão da maioria das pessoas com os ladrões de banco, com filmes como Bonnie e Clyde e Um Dia de Cão entre os maiores clássicos do cinema americano. O que eles nos ensinam a pensar sobre esses crimes? Como eles moldaram a cegueira de Scurlock sobre suas vítimas no mundo real?

Como Roubar um Banco não se interessa muito por essas questões maiores e, em vez disso, segue numa direção mais superficial. O que me surpreendeu foi perceber que, embora Scurlock tenha conseguido perpetrar uma incrível série de roubos, o restante da história não era tão maluco quanto o foco do documentário parecia sugerir. Era a história de um homem que se sentia perdido e tentava preencher o vazio dentro dele com emoção e perigo. No final das contas, não é nada estranho. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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Opinião por Alissa Wilkinson

Crítica do 'New York Times' e jornalista de cinema desde 2005.

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