No Edifício Copan, prédio ícone da cidade de São Paulo, mora um estabelecimento curioso: um espaço de mais de três andares repleto de pôsteres, parafernalha de filmes, DVDs e VHS. Os jovens que passam por ali costumam admirar o local com estranheza e fascinação. “Uau, isso ainda existe?”, exclama uma jovem ao avistar a loja. Foi justamente nesse cenário que o Estadão visitou a locadora Video Connection, para conversar com seu proprietário, Sérgio Pereira. “Aqui virou quase um ponto turístico. As pessoas vêm, tiram fotos e, às vezes, compram ou alugam um ou dois DVDs antes de irem embora”, contou Pereira, referindo-se às ilustres visitas que a locadora recebe com frequência.
O espaço de Sérgio é um dos últimos quatro remanescentes de um negócio que, no auge, chegou a ter mais de 4 mil unidades espalhadas pelo estado, como retrata o documentário CineMagia: A História das Videolocadoras de São Paulo, de Alan Oliveira. Vários fatores contribuíram para o fechamento dessas locadoras, e desde os anos 1990, os proprietários enfrentam desafios como o surgimento da TV a cabo, a expansão da internet e a pirataria. “Conforme essas crises foram atingindo o setor, as pessoas foram fechando as portas”, relata Pereira, cuja loja cobra R$11 pela diária de um filme. “Felizmente, eu não dependo exclusivamente da locadora para sobreviver; tenho outras fontes de renda. Continuo por paixão pelo que faço.”
A paixão também é o que mantém em funcionamento o negócio de Ricardo Luperi, dono da Eject Video, localizada na Vila Clementino. Diferentemente de Pereira, Luperi afirma que consegue sobreviver graças aos clientes. “Nunca pensei em fechar a locadora. O movimento sempre foi bom e, hoje em dia, continua tão forte quanto antes, se não mais”, destaca. Na Eject, os clientes encontram um acervo robusto de filmes de arte e obras raras, cuidadosamente selecionados por Luperi, que cobra R$16 por locação. “Por exemplo, hoje, só entre 10h e 14h, aluguei 62 filmes, o que é um número significativo. Depois desse horário, saio para fazer entregas.”
No entanto, para manter um acervo diversificado, os donos de locadoras enfrentam mais um desafio no cenário atual: a falta de suporte das distribuidoras de mídia física no Brasil. Hoje, a venda de DVDs e Blu-rays se limita, em grande parte, a lojas de produtos usados. Essa dificuldade é refletida na prática de Luperi, que comenta: “Faço compras específicas quando alguém pede um filme específico. É difícil encontrar algo tão particular, já que muitas lojas não existem mais.” Ele revela que, para contornar essa limitação, consegue adquirir filmes por meio de amigos que fecharam suas locadoras, além de sebos e bazares. “Assim, seguimos comprando em grande quantidade”, conclui.
No entanto, a situação se complica quando se trata de trazer as novidades do cinema. “Os grandes lançamentos não estão mais sendo liberados como antigamente, nem para os distribuidores, nem para nós, que dependemos deles”, lamenta Val Ramos, proprietária da Horus Vídeo Locadora, localizada na Vila da Saúde, que cobra até R$15 por filme. Segundo ela, um dos últimos lançamentos que a locadora recebeu foi A Baleia, de Darren Aronofsky, que rendeu o Oscar ao ator Brendan Fraser e foi lançado em 2023. “Antes disso, tivemos King Richard, estrelado por Will Smith, e Elvis, de Baz Luhrmann.”
O setor de mídia física para filmes tem enfrentado uma diminuição nos últimos anos. Em 2020, a Disney anunciou o fim de sua divisão de mídia física na América Latina. Três anos depois, foi a vez da Cinecolor, uma das maiores empresas do ramo, que encerrou sua própria divisão de mídia física. A Cinecolor era responsável pela distribuição de filmes em DVD e Blu-ray de grandes estúdios, como Paramount Pictures, Universal Studios e Warner Bros. Para contornar essa situação, a estratégia é focar em um público diferenciado. “Nosso principal trunfo são os materiais raros, como os filmes da extinta distribuidora BBC, Francis Ford Coppola, Woody Allen, Jean-Luc Godard”, elenca Ramos. “Quando investimos nesses títulos, pagamos caro, mas valeu a pena, pois hoje esses filmes não estão mais disponíveis em nenhum outro lugar.”
O poderoso chefão
Há diversas razões pelas quais as empresas deixaram de investir em mídia física, mas a principal delas é a ascensão do streaming. De acordo com um levantamento recente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Brasil já possui mais de 60 plataformas de streaming, o que marcou uma nova crise no setor de locação de filmes. “Houve uma época em que muitas pessoas pararam de alugar”, comenta Ricardo Luperi. “Mas quem realmente aprecia cinema ainda busca o que o streaming não oferece. Uma Netflix da vida, por exemplo, foca apenas em grandes lançamentos comerciais”. Os proprietários da Eject Video e da Horus Vídeo creditam a sobrevivência de seus negócios aos cinéfilos e estudantes de cinema, que mantêm o hábito de frequentar as locadoras.
A advogada Liana Oliveira é uma das pessoas que ainda mantêm o mercado ativo. Cinéfila assumida, ela com frequência enfrenta dificuldades para encontrar filmes de alguns de seus diretores favoritos nas plataformas de streaming. Quando deseja assistir a clássicos de cineastas como Akira Kurosawa ou Andrzej Żuławski, Liana recorre às locadoras. “É frustrante assinar cinco ou seis serviços e, mesmo assim, não conseguir acessar certas obras quando quero vê-las. Parece que essas plataformas só se interessam pelas novidades, mas há públicos variados que consomem cinema, e nem todos estão interessados na mais nova comédia romântica da Sidney Sweeney.”
Apesar de ainda resistirem, esses empreendimentos não conseguem fechar as contas apenas com o apoio desse grupo fiel de clientes. Para manter o negócio funcionando, muitos proprietários, como Gilberto Donizetti Petruche, dono da Charada Clube Vídeo Locadora, na Vila Tolstói, têm buscado alternativas para garantir a sobrevivência. Petruche, por exemplo, transformou sua locadora em um espaço cultural, oferecendo eventos, cursos, shows e até apresentações de stand-up como formas de complementar a receita.
“Quando abri o estabelecimento em 1995, o movimento era intenso”, relembra Petruche. No entanto, com a queda nos negócios nos últimos anos, ele decidiu reinventar o espaço, transformando-o em palco para o Festival A Idade da Terra em Transa, onde bandas e artistas alternativos, como Dum Brothers e Pornô Massacre, se reúnem para criar arte, como ele define. Além disso, o local já realizou exibições de filmes temáticos com convidados especializados para debates, além de maratonas de filmes de terror e outros eventos. “Essas iniciativas já reuniram mais de 100 pessoas ao mesmo tempo no meu espaço”, destaca. Na Charada, é possível alugar filmes por R$8.
A Horus, por sua vez, diversificou suas ofertas para atrair um público mais amplo, apostando no segmento holístico. “Vendemos incensos e também oferecemos trilhas sonoras”, explica a locadora. Já Sérgio Pereira, da Video Connection, encontrou sucesso em um nicho diferente: a digitalização de filmes caseiros gravados em formatos diversos. “Após a conversão para DVD, muitos clientes pedem para transferir os arquivos para pendrives ou HDs externos”, relata. Embora os serviços e produtos variem entre os estabelecimentos, todos mantêm em comum a venda de DVDs e até mesmo VHS. “Certa vez, um fã da Marvel comprou uma grande quantidade de filmes aqui. Muitos colecionadores buscam meu espaço para ampliar seus acervos”, acrescenta o dono da Eject Video.
De Volta para o Futuro?
Os quatro proprietários das locadoras remanescentes têm visões distintas para o futuro de seus negócios, mas três deles compartilham o mesmo objetivo: expansão.
Para a Eject Video, a Horus Vídeo Locadora e a Charada Clube Vídeo Locadora, o foco é crescer. “Muitos clientes dizem que estão cansados de tantas assinaturas de plataformas diferentes ou de passar horas procurando um filme, apenas para acabar desapontados com a escolha”, nota Val Ramos. “Quando vêm aqui, já conhecemos seus gostos e raramente erramos nas indicações. Eles saem satisfeitos, comentando como o filme os impactou ou como ficaram refletindo sobre ele durante a semana”, continua ela, que planeja ampliar o espaço da Horus para proporcionar mais conforto aos frequentadores. O dono da Charada compartilha do mesmo plano, pretendendo transformar sua locadora em um Centro Cultural. Já Ricardo Luperi, da Eject, sonha em reabrir o café dentro de seu espaço, oferecendo um ambiente ainda mais acolhedor para seus clientes.
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“Acredito na sobrevivência do negócio porque, durante um lançamento da Disney em Barcelona, quando fui com minha filha, percebi que o público consome filmes com entusiasmo. Isso me levou a refletir: as coisas só realmente terminam quando decidimos encerrá-las dentro de nós. Enquanto continuarmos a criar e apreciar o que existe, não há motivo para pensar que algo chegou ao fim”, diz Luperi. Ele acrescenta que as locadoras ainda têm potencial para sobreviver, especialmente com o crescente movimento em direção ao retrô. “Os discos de vinil, por exemplo, estão em alta, mesmo com preços elevados. A diferença entre o vinil e o DVD é que o primeiro realmente deixou de ser produzido por um tempo, enquanto o DVD nunca deixou de existir.”
Para o dono da Video Connection, porém, a realidade é diferente. “Meu conselho para quem pensa em abrir uma locadora é simples: não abra”, afirma Sérgio Pereira, que acredita na inevitável extinção do seu espaço no Copan em breve. “Chegamos a um ponto sem retorno. As pessoas precisam se desdobrar para pagar as contas, e mesmo assim o dinheiro não vem.” Pouco antes de a equipe do Estadão se despedir de sua loja, ele brincou: “No dia em que eu morrer, tenho certeza de que minha esposa vai jogar todos esses filmes no lixo”.
Veja os endereços das locadoras citadas:
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