Crítica ácida sobre a fama, ‘Birdman’ retrata ator em crise

Filme recebeu nove indicações ao Oscar, incluindo na categoria melhor filme

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio

Riggan Thomas fez fama ao interpretar o super-herói Birdman. O intérprete de Riggan, Michael Keaton, ficou marcado por sua caracterização de Batman, na versão de 1989, sob a grife de Tim Burton. Riggan quer se livrar do clichê que o associa ao super-herói voador. Talvez Keaton também deseje mostrar que pode voar além dos limites de Gotham City. Este jogo de espelhos entre ficção e ator está na origem de Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu (de Amores Brutos e 21 Gramas). O filme participou, com boa acolhida, no Festival de Veneza de 2014 e agora, com a vitória no Sindicato dos Produtores, torna-se favorito para o Oscar de filme no dia 22.

Birdman é, entre outras coisas, um comentário ácido sobre a fama e a indústria cultural. Riggan tornou-se um ícone popular, reconhecido em qualquer lugar. Uma celebridade. No entanto, depois de se recusar a fazer o quarto exemplar da franquia Birdman, sua popularidade começa a declinar. É um homem em crise, desejoso de provar sua capacidade de reinvenção. Quer fazer algo diferente, mais “nobre” e consistente. Para quem precisa provar seu valor? Para sua filha, Sam (Emma Stone) e, acima de tudo, para si mesmo.

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Por isso, decide montar uma peça na Broadway, baseada em texto famoso. Deseja adaptar, dirigir e interpretar um conto de Raymond Carver, Do Que Estamos Falando Quando Falamos de Amor. Com sua narrativa sintética, Carver (1938-1988) transformou-se em ícone da literatura norte-americana. Um mestre como Robert Altman adaptou alguns contos de Carver sob o título de Short Cuts (com o subtítulo Cenas da Vida, no Brasil), um dos melhores filmes dos anos 1990.

Enfim, eis aí os ingredientes corretos para a “redenção” artística do antigo super-herói: texto de prestígio e encenado no teatro. O teatro é a arte antiga diante da qual o cinema, arte nova, presta reverência em seus momentos de crise. O palco é o refúgio do ator que se julga mal aproveitado no voraz show biz de Hollywood. Refúgio, porém desafio e tanto para quem se acostumou a atuar protegido por efeitos especiais, repetições de cenas e a mãozinha final da edição amiga. São várias redes de proteção, que inexistem no palco. Nele, diante da plateia, errou, errou, e não há volta. Mas, como já se disse, o cinema é a arte do diretor e o teatro é a arte do ator.

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De modo que Iñárritu procura retratar um ator na corda bamba. Não por acaso, ele diz que se inspirou no documentário O Equilibrista, de James Marsh, sobre Philippe Petit, o francês que caminhou sobre um fio de aço entre as Torres Gêmeas em NY. Petit e sua ousadia sem par são uma espécie de modelo artístico para Iñárritu. Arte é risco. Ou fuga da zona de conforto, como se diz hoje nos manuais de autoajuda.

Mas Riggan tem outros desafios a enfrentar. Além da filha, que saiu de uma clínica de reabilitação e não o leva a sério, há o ultracompetitivo ator Miki Shiner (Edward Norton) com quem precisa contracenar. Os ensaios não vão bem e o agente de Riggan, Brando (Zach Galifianakis), vive a pressioná-lo para que pegue papéis mais rentáveis. Pior de tudo, Riggan não se livra de uma voz que o atormenta e o chama de volta ao porto seguro do personagem de Birdman.

Iñárritu funde essa situação dramática numa comédia de humor negro com traços surreais. Nem por isso é menos incisivo. Pelo contrário. Usando o riso como navalha crítica, corta fundo na carne da indústria cinematográfica, repetitiva, sem imaginação e mercantilista. Como tantas outras indústrias, também a do cinema de Hollywood perdeu de vista seu objetivo principal e se transformou em máquina de fazer dinheiro. Preserva, ainda, frestas pelas quais se respira – e Birdman, ele próprio, é exemplo de como se pode atuar na indústria, colocando-a contra si mesma.

Trabalhando contra o ideário de cinema comercial, de cortes rápidos e narrativa superficial, Iñárritu filma em longos planos-sequência (planos sem cortes). Monta com tal minúcia que o filme todo parece construído sobre um único e ininterrupto plano. Não é assim, mas parece. Essa proeza dá a Birdman uma fluência narrativa extraordinária. Bem concebido, pensado e interpretado, é exemplo de que a indústria do cinema é tão poderosa que permite até mesmo a ingratidão dos seus funcionários. Billy Wilder já sabia disso quando filmou Crepúsculo dos Deuses em 1950.

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