A estreia de Napoleão nos cinemas nesta quinta-feira, 23, não é apenas uma vitória para o cineasta Ridley Scott (de Gladiador, Alien e Perdido em Marte), mas para mais de 100 anos de tentativas de colocar essa história, grandiosa e complicada, nas telas de todo o mundo.
Já foram dois os grandes esforços para dar conta da história de Napoleão. O primeiro veio ainda nos anos 1920, quando o cineasta francês Abel Gance lançou o primeiro filme sobre a vida do imperador.
A ideia era fazer uma hexalogia sobre Napoleão, abarcando toda a sua história. Não deu nada certo. O primeiro filme teve um custo demasiadamente caro e, sem som, acabou ficando soterrado na era do cinema falado. A hexalogia nunca existiu.
Depois, vem a lenda mais conhecida: Stanley Kubrick, de 2001 e Laranja Mecânica, tentou adaptar a história do imperador entre os anos 1960 e 1970. O cineasta chegou a dar a missão de coletar dados sobre Napoleão para seu produtor de longa data, Jan Harlan.
A primeira versão do roteiro teria ultrapassado as 140 páginas, e eram esperados mais de 40 mil figurantes. Com isso, nenhum estúdio quis embarcar na empreitada de Kubrick, que acabou seguindo por outros caminhos — ainda mais após o desastre de bilheteria do filme Waterloo (1970), de Sergey Bondarchuk.
Scott, assim, conseguiu romper com uma sina de décadas, que parecia amaldiçoar o cinema. Napoleão, produção da Sony e Apple, chega com toda a pompa: é um épico de mais de 2h30, com cenas de batalha grandiosas e que não tentam abreviar a jornada do imperador francês em momento algum. O filme começa com sua vitória com o Cerco de Toulon, uma das batalhas mais impressionantes, até sua derrocada em Waterloo.
Muita coisa para contar
É a vida apoiada em um tripé complicadíssimo: a carreira militar de Napoleão (Joaquin Phoenix), com as batalhas que fizeram a Europa tremer; a frente política, com a chegada ao trono francês mesmo após a Revolução Francesa; e um de seus aspectos mais curiosos recaindo na vida amorosa, com a paixão por Josephine (Vanessa Kirby).
Logo de cara, fica até óbvio qual é o calcanhar de Aquiles dessa produção imensa de Scott: a necessidade de dar conta de um período exageradamente grande da jornada de Napoleão em apenas 2h30.
Falta, talvez, um recorte bem mais apurado no roteiro de David Scarpa (parceiro de Scott em Todo o Dinheiro do Mundo), que acaba se enrolando em muita história pra contar. É política, é família, é guerra, é romance, é traição...
Fica a sensação de que tudo é tão inchado, com tanta história pra contar, que nem há espaço para uma reflexão necessária sobre o legado de Napoleão. O que ele realmente fez pela França? Seu papel foi mais positivo ou negativo? Como ele se tornou, enfim, essa figura lendária?
Talvez um formato mais similar ao filme Jobs, que conta a história do pai do iPhone em três atos, funcionasse melhor aqui do que tentar abraçar tudo de uma vez.
Ainda assim, um filme grandioso – como deve ser
Felizmente, o elenco ajuda a diminuir a sensação de correria e de que as coisas estão desmoronando: Joaquin Phoenix (Coringa) faz um Napoleão que traz suas inseguranças embarcadas em sua voz que treme e gagueja, querendo se provar sempre. E Kirby, que já tinha brilhado em Pieces of a Woman, volta a trazer uma atuação magnética, convencendo como a sedutora Josephine.
Mesmo com o roteiro claudicante, Scott sabe entregar as grandes cenas de batalha. Waterloo é magnificamente filmada (com bastante uso de efeitos especiais, é claro), dando a dimensão do que foi a última incursão de Napoleão. Ver na tela ajuda a compreender o alcance das batalhas, como foi grandiosa a sua primeira vitória e, acima de tudo, como foi amarga essa sua última derrota, sem espaço para novas chances.
Napoleão, assim, é um filme impactante. Você fica imerso na vida desse personagem histórico, avançando em seus momentos grandiosos e, também, naqueles seus maiores fracassos. Tudo isso com atuações que devem beliscar indicações na temporada de premiações.
Mas, infelizmente, está longe de ser uma obra-prima como poderia ser – talvez na mão de Kubrick fosse diferente. Não há profundidade necessária nos momentos mais exigentes, tampouco uma leitura artística. Fica na superfície e não consegue ir além de uma grande linha do tempo, muito bem atuada, mas que não encontra o seu verdadeiro coração.
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