Depois que ganhou Hollywood, o Godzilla nunca mais foi o mesmo. Enquanto os filmes japoneses usavam o monstro como uma representação do medo a partir dos efeitos da Segunda Guerra Mundial, os filmes americanos traziam apenas como uma ameaça vazia – e, até por isso, dificilmente agradam. O novo Godzilla Minus One vai no caminho diferente e resgata o significado original da criatura.
Dirigido e roteirizado por Takashi Yamazaki (Stand by Me Doraemon 2), o longa-metragem se passa imediatamente após conflito do meio do século passado. Koichi (Ryunosuke Kamiki) é um piloto de avião kamikaze que não consegue cumprir sua missão e acaba pousando o avião em uma ilha.
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É lá que ele tem o primeiro contato com Godzilla – traumatizando-o para sempre. Depois, já em Tóquio, acaba encontrando uma nova vida como especialista em desarmar bombas submersas. Nesse cenário, é claro, ele acaba se reencontrando com o monstro.
O lagarto e a bomba
É, assim, um filme que revive traumas não apenas do protagonista, mas de toda uma nação. As bombas atômicas lançadas sobre o Japão nunca são citadas, mas sabemos que aquelas pessoas carregam um medo perpétuo. O Godzilla – ou Gojira, como falam em japonês – é apenas a coisificação desse sentimento coletivo. É como se fosse uma alucinação em grupo, com as pessoas enxergando o mesmo pesadelo o tempo todo.
Yamazaki, além de conseguir resgatar essa origem bélica e traumática do Godzilla, também é feliz em construir a ação ao redor do personagem. Enquanto os filmes americanos insistem em uma síndrome pós-Tubarão, de querer esconder o monstro ao máximo para causar choque e surpresa, esta produção japonesa não perde tempo em colocá-lo na tela. A surpresa chega não pela imagem da criatura, já batida, mas por tudo que ela pode fazer.
Novos poderes
A criatura de Godzilla Minus One não é apenas aquela que sai andando pelas ruas destruindo pontes e quebrando prédios. Ele é o caos. Em uma cena particularmente marcante, talvez uma das melhores do ano, a criatura mostra um poder que até então não tinha sido visto em filme algum: ele não apenas lança um jato de luz e energia em uma cidade, destruindo-a como a bomba desenvolvida por Oppenheimer, como também suga as pessoas, faz carros voarem. A cena faz valer a pena assistir ao filme na tela grande.
O longa pode até derrapar em não conseguir construir bem o arco dramático de seu protagonista – há até uma tentativa de um romance complicado de Koichi com uma jovem mãe solteira que conhece na rua, mas a ideia não vai muito adiante. Falta profundidade.
Mas, ainda assim, é mais do que divertido (e desesperador) assistir ao monstro gigantesco destruindo cidades com uma facilidade impressionante. A torcida não é só para Koichi, mas para que toda a humanidade consiga vencer a escuridão.
Em um primeiro momento, pode parecer que estamos torcendo para que consigam impedir o lagarto gigante. Mas, aos poucos, percebemos que Godzilla Minus One vai além disso.
Aliás, o diretor Guillermo del Toro, de O Labirinto do Fauno e Hellboy, já viu Godzilla Minus One e escreveu: “Um dos três melhores filmes de Godzilla de todos os tempos (aliás, um dos dois). Ambição e realização do tamanho da sala de cinema. Um milagre.”
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