No começo da história, o protagonista explica o que significa ‘gil’, a gíria argentina traduzida por ‘tonto’ na versão brasileira do filme. ‘Gil’ é quem vive do seu trabalho, paga seus impostos, é correto nas relações pessoais e economiza em vistas de um projeto futuro. Nas sociedades sul-americanas, trata-se de um 'otário'. Como os brasileiros que viram suas poupanças confiscadas pelo governo Collor ou os argentinos que viveram experiência semelhante com o corralito, em 2001. Os hermanos tiveram suas contas bancárias bloqueadas pelo governo da hora, num desses mirabolantes planos de combate à inflação, e ficaram a ver navios. Tal o contexto histórico de A Odisseia dos Tontos, de Sebastián Borensztein, com Ricardo Darín e seu filho, Chino, no elenco.
Darín é um dos habitantes de uma pequena cidade no interior da Argentina. Pressionados pela crise econômica, vários amigos decidem juntar suas economias (em dólares) e comprar uma propriedade desativada para fundar uma cooperativa. Vários deles entram com seu dinheirinho e Fermín (Ricardo Darín) é incumbido de negociar um empréstimo com o gerente do banco para completar a quantia necessária para a compra. Este o convence a transformar os dólares em pesos para formar saldo médio e viabilizar o empréstimo. E então vem o 'corralito'.
Enfim, esta é uma história de como os 'otários' são tratados por governos e pessoas inescrupulosas. E também de como esses 'giles' podem reagir, ao invés de apenas ficar em casa e pelos cantos lamentando-se.
Deve-se dizer que A Odisseia dos Tontos não mantém o tom político que se desenhava de início. Depois de desenvolver sua premissa, veste formato cômico temperado por elementos dramáticos. Inspira-se na velha e boa comédia italiana que, com sabedoria, falava de assuntos sérios sob a capa do cômico. Rindo, faziam pensar, como nos clássicos de Mario Monicelli (A Grande Guerra) ou Dino Risi (Aquele que Sabe Viver).
De maneira inesperada, ao grupo de amigos se apresenta uma questão: como recuperar o dinheiro furtado? Porque, apesar de todo o aparato jurídico habitual nesses casos, o confisco da poupança é sentido pela população como aquilo que é: um furto. E, para Fermín e seus amigos, apresenta-se a chance única de roubar o ladrão. Sim, porque, como em cidade pequena tudo se sabe, acabam por descobrir, tempos depois, que o tal banqueiro corrupto mandou cavar um buraco em ponto estratégico de sua propriedade rural. E que também encomendou um cofre e um sistema de segurança sofisticado. Não é difícil somar um mais um e deduzir onde se encontra a dinheirama.
Com essa trama, A Odisseia dos Tontos é um típico filme comercial argentino. Um 'Darín movie', produção puxada pelo mais popular dos atores sul-americanos. Mas é mais do que isso. Solidamente construído a partir de um romance (La Noche de la Usina), de Eduardo Sacheri), conta com aquele elenco de excelentes atores e atrizes do país vizinho. A começar pelo próprio Ricardo Darín e seu filho, Chino, mas também o ótimo Luis Brandoni, a comovente Verónica Llinás, que interpreta Lídia, mulher de Fermín e a disposta Carmen (Rita Cortese). Se abandona sua intenção crítica inicial, o filme mantém-se como ótima diversão.
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