Às vezes tenho pesadelos com a cena de Taika Waititi ganhando um Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por Jojo Rabbit. Não só por ter desbancado o ótimo Adoráveis Mulheres, mas por ter colocado o cineasta neozelandês em um pedestal que não merecia. Seus filmes contam com um humor histriônico exagerado, sem graça, com tramas questionáveis que buscam apenas polemizar.
Não concorda? Então vá ver Quem Fizer Ganha, novo trabalho de Taika que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 14.
Inspirado em uma história real, o longa conta a história de Thomas Rongen (Michael Fassbender), técnico holandês de futebol que é enviado à Samoa Americana para tentar “dar um jeito” no time. Naquele momento, a seleção do pequeno país do Pacífico era o pior time do ranking da FIFA. O treinador, enviado para lá como uma espécie de punição, era a última esperança do time – que tomou a maior goleada da história, por 31 a 0.
A ‘síndrome do salvador branco’
É a ladainha do “branco salvador”, pronto para resgatar uma pequena nação do caos. É o tipo de história que se repete no cinema de Hollywood há décadas, em filmes como Um Sonho Possível, Mentes Perigosas, Histórias Cruzadas e por aí vai. Aquela bobagem de americanos e europeus como tábua de salvação de um mundo ignorante e sem qualquer habilidade.
Alguém pode até argumentar que o filme se encaixa nisso, já que é uma história real. É verdade até certo ponto. Afinal, Taika Waititi parece forçar esse sentimento goela abaixo. Absolutamente ninguém na Samoa Americana é capaz de pensar racionalmente.
O retrato do cineasta neozelandês procura a caricatura a qualquer custo, buscando na história e na personalidade daquele povo o escape necessário do humor. Já o personagem holandês de Fassbender está sempre sério, não faz piadas. Virtuosismo versus barbárie.
Quem Fizer Ganha ainda desrespeita uma personagem trans real, que jogava na seleção da Samoa Americana. Quando o roteiro a insere na trama, logo surgem piadinhas desnecessárias sobre seu estilo de jogo. Em determinado momento, o personagem de Rongen trata Jaiyah (Kaimana), a personagem trans, por seu nome de batismo. É transfóbico e violento contra ela.
A que tudo indica, puro recurso de roteiro – afinal, não há qualquer registro de que o treinador foi realmente transfóbico contra a personagem. Pelo contrário. Qual o motivo, então, de colocar isso no filme? Havia respeito entre as pessoas ao redor de Jaiyah e a personagem. Sobra apenas a busca pela dor das pessoas LGBT+.
O filme pode até ser fofo no final e causar aquele arrepio tradicional de histórias sobre competições esportivas e com desfechos apoteóticos, como o já clássico Um Domingo Qualquer – que é citado aqui – ou o recente Campeões. Não importa: mesmo sendo eficaz na história de superação, Quem Fizer Ganha não consegue apagar seus erros.
Taika Waititi, também responsável por filmes como O que fazemos nas sombras, A incrível aventura de Rick Baker, além dos dois blockbusters mais recentes do super-herói Thor, parece viver de polêmicas. Ele passou do limite aqui – como já tinha dado indícios lá em Jojo Rabbit. Mas, hoje queridinho de Hollywood, é questão de tempo até ele cometer outra atrocidade nas telas. A de 2023 está garantida.
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