De blockbusters a documentários silenciosos e de cineastas estreantes a diretores consagrados, um pouco de tudo aparece na lista de melhores de filme de 2024 do New York Times. As críticas de cinema Manohla Dargis e Alissa Wilkinson escolheram, cada uma, dez filmes lançados nos Estados Unidos neste ano que merecem destaque pela qualidade cinematográfica.
A lista contém obras que estão atualmente em cartaz nos cinemas nacionais, longas disponíveis no streaming - incluindo um documentário brasileiro - e outros que ainda não chegaram ao País. Confira as produções escolhidas e as justificativas:
Deslumbrante à vista de todo mundo - Manohla Dargis
Todos os anos, quando começo a tarefa hercúlea (e absurda!) de selecionar os dez melhores filmes do ano, também acabo analisando uma grande quantidade de cobertura da mídia sobre o estado terrível, horrível e possivelmente irrecuperável do setor de entretenimento. No mundo do cinema, as coisas estão sempre melhorando (talvez), a não ser que estejam catastroficamente mal, um ciclo de expansão e recessão que vem dominando o setor durante grande parte de sua história e sempre convence alguém, em algum lugar, de que o cinema está morto. É uma acusação familiar com um elenco mutável de suspeitos de assassinato: som sincronizado, televisão, TV cabo, streaming e, é claro, idiotice corporativa.
Apesar de seu declínio contínuo, os grandes estúdios sediados nos Estados Unidos ainda dominam a cobertura da mídia convencional e a pouca atenção que resta a um público cada vez mais fragmentado e distraído. Para isso, quase todas as semanas uma nova produção multimilionária vem rolando na nossa direção, absorvendo todo o interesse da mídia, arrecadando fortunas ou virando só mais uma linha na planilha. Alguns desses filmes são bons, outros são um lixo; poucos são memoráveis. No entanto, como meus colegas de trabalho e eu compartilhamos avidamente em nossas resenhas para o New York Times, o mundo do cinema é muito mais vasto do que o que essas empresas oferecem, e trabalhos bons, ótimos e milagrosos muitas vezes passam despercebidos. Aqui está uma pequena amostra.
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1. Tudo que imaginamos como luz (dirigido por Payal Kapadia)
Essa história delicada e dolorosa sobre empatia se concentra em duas enfermeiras e uma cozinheira, amigas que trabalham no mesmo hospital em Mumbai, na Índia. No decorrer do filme, Kapadia salta entre essas cuidadoras que, juntas e separadas, experimentam prazeres comuns, enfrentam dificuldades dolorosas e encontram conforto, apoio e companheirismo umas nas outras. De quando em quando, Kapadia, que também fez documentários, incorpora imagens de pessoas comuns circulando pela cidade, imagens que conectam suas personagens a um mar de humanidade e, por extensão, a nós que estamos assistindo.
- Onde ver: em cartaz nos cinemas
2. Ernie Gehr: Mechanical Magic (Gehr)
Alguns dos filmes mais emocionantes a que assisti este ano estavam em uma retrospectiva do trabalho de Gehr em março no Museu de Arte Moderna de Nova York. Geralmente curtos e agora filmados em formato digital, essas imagens em movimento não têm diálogos roteirizados e nada que se assemelhe a um enredo. Livres do domínio da trama, os filmes de Gehr apresentam e reapresentam lugares, objetos e corpos em movimento aparentemente comuns – nuvens brancas à deriva em um trecho do céu azul, pessoas caminhando em frente a uma vitrine – que Gehr transforma em estudos inebriantes de energia, acaso, luz, superfície e espaço. Nossa percepção do mundo muda quando cineastas como Gehr o mostram por meio de suas lentes e enquadramentos. São filmes que expandem e, às vezes, explodem nossa mente de um jeito glorioso.
- Onde ver: indisponível no Brasil
3. A Verdadeira Dor (Jesse Eisenberg)
Há muito do que gostar nesse drama cômico, terno e melancólico sobre as duradouras sequelas geracionais do Holocausto. Escrito e dirigido por Eisenberg, é estrelado por ele e Kieran Culkin como primos americanos que já foram próximos e agora, depois da morte da avó, sobrevivente do Holocausto, se veem atrapalhados um com o outro durante uma viagem às raízes da família na Polônia. A viagem é profundamente comovente, às vezes engraçada e inesperada, em parte porque Eisenberg entende que a vida não tem uma lição simples e que algumas coisas continuam essencialmente desconhecidas, até mesmo as pessoas.
- Onde ver: nos cinemas a partir de 23 de janeiro de 2025
4. Não Espere Muito do Fim do Mundo (Radu Jude)
Sacudida emocionante, vulgarmente engraçada, às vezes exasperante, o filme de Jude acompanha Angela – a carismática Ilinca Manolache – enquanto ela dirige por Bucareste, na Romênia. Durante a maior parte do filme, ela está ao volante de sua lata-velha, uma casa longe de casa, ou entrevistando pessoas gravemente feridas para testemunharem possíveis histórias de advertência para um vídeo sobre segurança no local de trabalho encomendado por uma empresa multinacional. À medida que ela acumula quilômetros, atravessando um mundo onde o capitalismo e os fantasmas do comunismo convergem, o filme aborda o passado e o presente da Romênia, o Oriente e o Ocidente, a alta cultura e a extremamente baixa. É uma viagem maluca!
- Onde ver: Mubi
5. Dahomey (Mati Diop)
Tão inventivo do ponto de vista formal quanto rico do ponto de vista político e filosófico, esse documentário começa em Paris com algumas réplicas da Torre Eiffel expostas na calçada de um vendedor de rua. São o tipo de lembrancinha familiar que os ambulantes africanos vendem não muito longe do imponente Museu Quai Branly, que é onde os trabalhadores estão empilhando caixas e o filme de Diop começa a tomar forma. Dentro dessas caixas estão 26 tesouros que foram saqueados pelas tropas francesas em 1892 e que a França devolveu ao Benin em 2019, evento que Diop transforma – com a ajuda de alguns estudantes e um desses tesouros, uma estátua que fala em off – em uma exploração precisa e lúcida do patrimônio cultural e artístico no pós-colonialismo.
- Onde ver: Mubi, a partir de 13 de dezembro
6. Retratos Fantasmas (Kleber Mendonça Filho)
Grande parte desse documentário pungente, formalmente animado e intelectualmente estimulante de Mendonça Filho, crítico de cinema brasileiro que virou cineasta, se passa no apartamento em que ele morou quando criança na cidade litorânea de Recife, no Brasil. Os fãs de cinema alternativo talvez reconheçam esse apartamento de seus filmes anteriores, como Aquarius (2016), no qual Sônia Braga interpreta uma mulher que luta contra o despejo. Aqui, Mendonça Filho usa o apartamento como ponto de partida para uma investigação que se irradia em diferentes direções – para seu passado e o de sua mãe, para antigos cenários de filmes e cinemas abandonados – mas sempre volta para casa.
- Onde ver: Netflix
7. Furiosa: Uma Saga Mad Max (George Miller)
Isso aqui é entretenimento, baby – e puro cinema.
- Onde ver: Max
8. Megalopolis (Francis Ford Coppola)
Quando estreou o épico de Coppola, filme de arte que passou décadas tentando fazer, já era previsível que estivesse condenado. O filme se concentra em um arquiteto utópico (Adam Driver) com um plano para mudar o mundo que transborda de ideias e beleza, dando à história uma pungente tendência autorreferencial. O filme jamais seria para todo mundo – obras de arte raramente são. Mesmo assim, foi desanimador ver como alguns tipos de mídia, até mesmo os críticos, o rejeitaram com entusiasmo. Depois do lançamento, o jornalista Richard Rushfield rebateu as críticas superficiais, escrevendo no The Ankler, no Substack: “Megalopolis existe porque um dos maiores diretores da história do cinema, no final de uma longa carreira, decidiu gastar seu próprio dinheiro com um filme que queria fazer”. Como disse Rushfield: “Na verdade, se você tem algum problema com isso, precisa pensar que talvez não goste de cinema”. Assino embaixo.
- Onde ver: em cartaz no Cinema Belas Artes
9. Zona de Exclusão (Agnieszka Holland)
A raiva que ferve no drama de Holland sobre a crise dos migrantes europeus é surpreendente e totalmente merecida. Ambientado na fronteira entre Polônia e Belarus, o filme alterna entre uma variedade de personagens, entre eles uma família síria que tenta para entrar na União Europeia, ativistas que oferecem ajuda aos migrantes e guardas encarregados de defender violentamente os interesses nacionais. Ficção extraída de fatos, o filme se desenvolve até chegar a um desfecho devastador que revela os preconceitos que os países tentam esconder em nome do patriotismo.
- Onde ver: disponível para aluguel nas principais plataformas
10. Here (Bas Devos)
No meio desse filme belga tranquilo e revelador, seus dois personagens principais – um operário da construção civil e uma botânica – se encontram em um parque. Lá, sob um dossel de vegetação verde, ela o convida para ver algumas das plantas que está estudando e ele se acomoda ao seu lado. O musgo, explica ela, já existia antes de nós, humanos, e provavelmente continuará existindo depois que formos embora. Este é o modo de vida de um filme sobre imanência e transcendência – e sobre viver em um mundo no qual todos nós somos, enfim, transeuntes. “Você pisca os olhos”, como diz outra personagem, “e tudo se foi”.
- Onde ver: ainda indisponível no Brasil
Quebrando o algoritmo - Alissa Wilkinson
Tem ano em que fica claro quais filmes estarão no topo das listas de fim de ano de todo mundos, e anos em que as joias ficam espalhadas – as escolhas são mais amplas e idiossincráticas. Este ano é do tipo imprevisível. Eu poderia fazer uma lista de grandes filmes de 2024 cinco vezes maior do que esta, mas, para mim, aqueles que chegaram ao topo tinham algo em comum: são o que eu chamo de quebra-algoritmos. Eles escapam à categorização fácil e nos tiram do prumo.
Olhando para a minha lista, percebi que muitos dos meus favoritos deste ano vieram de artistas que trabalharam com vários gêneros – dramaturgos dirigindo filmes, documentaristas abraçando a ficção – ou que fazem zigue quando você espera um zague, exigindo que a plateia se incline e preste atenção. Enquanto as grandes corporações gastavam bilhões para prever o seu gosto, os melhores filmes de 2024 pedem que você deixe os guardiões dos algoritmos na dúvida.
1. Nickel Boys (dirigido por RaMell Ross)
Ross começou trabalhando com documentários – seu inovador Hale County This Morning, This Evening foi indicado ao Oscar em 2019 – mas com Nickel Boys, ele se volta para a ficção. Ou quase. Sua adaptação do romance de Colson Whitehead é ousadamente radical, transformando o texto em um filme em primeira pessoa que captura o espírito do material de origem – uma meditação sobre como o trauma molda o senso de identidade de uma pessoa – aproveitando as ferramentas visuais e auditivas que o cinema oferece. Ele acrescenta imagens de arquivo de não ficção ao filme e desafia as formas como fomos treinados a pensar que uma história como esta deveria ser contada, com resultados que são ao mesmo tempo simples e extraordinários. Estou surpresa com a existência desse filme. Estou muito feliz que ele exista.
- Onde ver: nos cinemas (data de estreia ainda não foi confirmada)
2. Eno (Gary Hustwit)
Quando digo que toda vez que assisti a esse documentário sobre o artista inovador Brian Eno foi diferente, não estou usando uma metáfora. Foi literalmente diferente, porque há 52 quintilhões de versões possíveis do filme, que Hustwit e seus colaboradores projetaram como uma obra de arte em constante evolução, executada em um algoritmo para selecionar e gerar uma nova versão a cada vez que é exibida. Isso já é impressionante, mas o mais incrível é que cada versão que vi era uma excelente reflexão sobre algum aspecto da criatividade: arte e identidade, a bagunça da criação. Eu poderia, literalmente, assisti-lo mais um bilhão de vezes.
- Onde ver: ainda indisponível no Brasil
3. Anora (Sean Baker)
O filme propulsivo e seguro de Baker – sobre uma profissional do sexo do Brooklyn que se casa com o filho caótico de um magnata russo – homenageia vários gêneros de Hollywood, mas é algo totalmente distinto. O filme mistura euforia, romantismo e tragédia, e conta com uma atuação brilhante de Mikey Madison como a heroína. Mas o verdadeiro ponto crucial da história está no que não é dito, no que acontece por trás dos olhos de Madison. O tema de todos os filmes de Baker é a realidade de faz-de-conta do sonho americano. A variação que Anora representa tem a ver com contos de fadas, fantasias e, finalmente, o mundo real.
- Onde ver: nos cinemas a partir de 23 de janeiro de 2025
4. Soundtrack to a Coup d’Etat (Johan Grimonprez)
Ensaístico na forma, Soundtrack to a Coup d’Etat é um documentário furioso e brilhante sobre, bem... tudo. Em seu centro estão os eventos que levaram ao assassinato de Patrice Lumumba, o primeiro primeiro-ministro do Congo, que teria sido orquestrado pela CIA poucos meses após sua eleição, em maio de 1960. Grimonprez chega ao assunto de todas as direções, explorando as maneiras pelas quais a verdade pode ser exposta, ignorada e empurrada para a clandestinidade, tudo isso ao ritmo dos músicos de jazz negros que protestaram e, às vezes, foram involuntariamente usados por operações secretas do governo dos Estados Unidos. É tanto uma dissertação multimídia quanto uma realização vertiginosa.
- Onde ver: ainda indisponível no Brasil
5. O Mal Não Existe (Ryusuke Hamaguchi)
Assisti a esse drama pela primeira vez durante sua exibição no festival, há mais de um ano, e ainda assim penso nele o tempo todo. É a continuação de Drive My Car, de Hamaguchi, e tem a mesma intenção de sondar o significado da conexão humana em um mundo individualista. No filme, uma comunidade rural está preocupada com uma empresa que quer construir um glamping nas proximidades, o que terá consequências ambientais devastadoras. O que fazemos rio acima, diz o filme, tanto literal quanto metaforicamente, afeta aqueles que vivem rio abaixo – um fato que precisamos enfrentar se não quisermos correr o risco de nos tornarmos desumanos.
- Onde ver: Mubi
6. Planeta Janet (Annie Baker)
O primeiro filme de Baker, ambientado no oeste de Massachusetts, fala de uma criança desajustada durante o verão, solitária e preocupada com a mãe. Janet, interpretada por Julianne Nicholson, é essa mãe, e ela está passando por uma série de pequenas crises, a maioria ligada a homens ruins. Janet Planet é um filme pequeno, engraçado e também revelador à sua própria maneira, com uma atenção aos detalhes da época – os anos 90 – que deixa claro o quanto Baker, dramaturga aclamada, ama seus personagens e seu mundo.
- Onde ver: disponível para aluguel nas principais plataformas
7. Zona de Exclusão (Agnieszka Holland)
Holland teve problemas em seu país natal, a Polônia, por causa desse drama sobre refugiados da Síria e do Afeganistão que tentam atravessar a fronteira de Belarus com a Polônia e, portanto, com a União Europeia. O filme é centrado nas famílias e indivíduos presos em um limbo enquanto tentam atravessar uma “zona de exclusão” ao redor da fronteira, bem como nos voluntários e ativistas que tentam ajudá-los. O filme é de tirar o fôlego e de cortar as entranhas, acabando com todas as histórias fáceis que contamos a nós mesmos sobre as fronteiras.
- Onde ver: disponível para aluguel nas principais plataformas
8. Good One (India Donaldson)
A revelação desse drama de amadurecimento é sua estrela, Lily Collias, que interpreta uma adolescente numa viagem de acampamento com o pai e o melhor amigo dele. Na superfície, muito pouco acontece, mas as expressões que se espalham pelo rosto de Collias nos dizem tudo o que precisamos saber sobre as revelações que ela está vivendo enquanto ouve os homens conversarem. Este também é o primeiro longa-metragem de Donaldson, cujo ouvido para diálogos e atenção aos detalhes abrem um mundo inteiro na trilha da montanha.
- Onde ver: ainda indisponível no Brasil
9. A Extraordinária Vida de Ibelin (Benjamin Ree)
Não consigo explicar A Extraordinária Vida de Ibelin para as pessoas. Por um lado, é um documentário sobre um gamer norueguês chamado Mats Steen que morreu de uma doença rara. Por outro lado, é uma exploração surpreendente de como afetamos a vida uns dos outros, mesmo quando não sabemos. Para contar a história, Ree usa entrevistas, diários, transcrições, publicações em blogs e uma boa dose de recriações animadas da vida de Steen dentro do videogame World of Warcraft, o que torna a simplicidade do filme ainda mais notável. É uma história sobre o que é real em uma era irreal e sobre os lugares em que nos permitimos ser humanos.
- Onde ver: Netflix
10. Union (Brett Story e Stephen Maing)
É difícil capturar em um filme o trabalho tantas vezes exaustivo de organizar a mão de obra no local de trabalho, principalmente porque leva anos para formar um sindicato, e a luta é muitas vezes árdua. Mas Union faz isso. Story e Maing passaram anos com os trabalhadores da Amazon no centro de distribuição JFK8 em Staten Island, Nova York, enquanto tentavam formar o primeiro sindicato da empresa. A história que eles contam tem momentos de triunfo e alegria, mas também de extrema frustração, disputas acirradas e decepção. (Vale a pena notar que, apesar de uma elogiada exibição em festivais, Union não conseguiu garantir um acordo de distribuição importante, optando por se autodistribuir).
Onde ver: ainda indisponível no Brasil
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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