Os primeiros dez minutos de Às Vezes Quero Sumir, filme que chega aos cinemas nesta quinta, 23, mostram como é pacata a vida de Fran, a protagonista vivida por Daisy Ridley. Ela trabalha em um pequeno escritório, mas quase não interage com os colegas, mesmo durante uma festa de despedida que envolve bolo e champanhe.
Depois, volta para sua casa em uma cidadezinha nos Estados Unidos, vê TV, janta, come uma sobremesa, dorme e faz tudo de novo. De vez em quando, Fran pensa em morrer - não é que ela queira que isso aconteça, mas as imagens vêm à sua mente (e para nós, na tela): o corpo estirado em uma floresta, insetos a rondando, uma cobra que surge no escritório.
Um dia, algo muda. A empresa recebe um novo funcionário, Robert (Dave Merheje). Entre trocas de olhares e mensagens, ele e Fran marcam um encontro. Acontece que a protagonista tem uma dificuldade: ela não consegue se abrir de verdade e formar uma conexão real com o colega.
“Não sou como a Fran, mas realmente a entendo”, diz Ridley em uma entrevista ao Estadão. “Diferentemente dela, eu tenho uma vida social e me forço a sair da minha zona de conforto, mas sei que nem sempre é fácil ser sociável.”
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A atriz, que deixou de lado - temporariamente - os sabres de luz e batalhas galácticas da saga Star Wars, com a qual ela ficou conhecida, gostou do roteiro assim que o recebeu. Depois, descobriu que a história da diretora Rachel Lambert é inspirada na peça Killers, de Kevin Armento. Ele assina o roteiro com Stefanie Abel Horowitz e Katy Wright-Mead, que, antes, já haviam adaptado a trama em um curta-metragem.
Ridley não quis assistir a nenhuma das produções para não ser influenciada. Foi escolhida para viver Fran e convidada a ser uma das produtoras do filme. Um novo desafio, já que era um ambiente bem diferente do set de um blockbuster como o do que ela havia protagonizado. “Sinceramente, tínhamos recursos bem limitados”, conta. “Mas também foi incrível ser consultada sobre quem está sendo escalado e o que está acontecendo.”
O longa foi apresentado no Festival Sundance em 2023, rendendo uma indicação do júri principal à diretora. Foi lançado nos Estados Unidos e, mais recentemente, na Europa. Agora, chega ao Brasil. “Tem sido interessante ver a reação das pessoas ao filme. Muitas delas têm o mesmo sentimento. Não são iguais à Fran, mas entendem o jeito dela.”
‘Senti que realmente a entendia’
Às Vezes Quero Sumir mistura um humor irônico, principalmente nas cenas do escritório, que podem lembrar séries como The Office, e um drama que faz o espectador refletir sobre por que é tão desafiador para algumas pessoas criar uma conexão com outras. É difícil não questionar se Fran sofre de alguma doença psiquiátrica, mas o filme nunca deixa isso claro.
“É interessante como as pessoas interpretam. Não acho que ela tenha depressão. Acho que ela é uma pessoa muito ansiosa e não sei onde está a linha entre ser ansiosa e ter ansiedade. Mas, para além disso, acho que é o tipo de coisa que adquirimos com o hábito, e ela adquiriu o hábito de [não interagir]. Portanto, com o passar do tempo, isso se torna cada vez mais difícil para ela”, diz Ridley.
Ridley também destaca que não é que a personagem seja infeliz: “Ela ama a vida dela no escritório. Ela adora o trabalho dela e ele lhe dá um propósito”. A relação com Robert é o que faz com que Fran perceba que precisa - e mais importante, que ela deseja - ter essa conexão com outra pessoa. “Para mim, alguém que está realmente lutando para fazer parte de um grupo social, tentando arduamente se conectar, embora isso seja muito assustador para ela, é muito corajoso”, opina a atriz.
Todos nós estamos lutando contra algo e muitas pessoas fazem suposições sobre as outras pessoas. Somos todos lindos, com diferentes personalidades e tipos de pessoas. E se apenas nos sentássemos às vezes e ouvíssemos, provavelmente todos nos conectaríamos melhor.
Daisy Ridley
Como a personagem não é muito de conversa, Ridley precisou atuar muito mais com o corpo e as expressões faciais do que com a fala. Ela explica que, inicialmente, o roteiro tinha espaço para uma narração da própria Fran, mas a diretora Rachel Lambert decidiu que o recurso não era necessário.
“Quando chegamos lá, o cenário era real. Você podia mexer nos computadores. Era tão tangível e a dinâmica do grupo era adorável. De certa forma, era muito simples ser ela. E senti que realmente a entendia. Mesmo que não houvesse muito diálogo, sempre sabia o que ela estava pensando e entendia como ela estava naquela situação”, afirma a atriz.
O longa foi gravado em 2021, quando o mundo ainda sofria com as consequências da covid-19 e os testes diários eram regra no set de filmagens. Três anos depois, Ridley considera o filme ainda mais relevante. “Na época, as pessoas estavam falando sobre a desconexão e lutando porque estávamos todos separados. Agora, o mundo saiu do confinamento, mas as pessoas se sentem mais divididas do que nunca. Se há algo que eu sinto é que o filme é mais pertinente agora do que naquele período”, finaliza.
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