“Quem sabe eu deveria me candidatar a presidente”, brincou Denzel Washington, sentando-se para um café da manhã em Midtown Manhattan, na semana passada. Ele chegara aos EUA algumas horas antes, vindo de Londres, onde esteve promovendo seu filme Um Limite Entre Nós, indicado para o Oscar. E abordou também o tema mais em voga, hoje: política. Denzel disse que compreende os acessos de ira provocados pelo Brexit e pela eleição de Donald Trump, mas agora gostaria de falar de soluções. Com a mesma presença imponente dos seus personagens, Denzel, de 62 anos, também tem aquele ar de professor distraído. É o mesmo sujeito que apareceu para receber um prêmio pela carreira no Globo de Ouro no ano passado e esqueceu seu discurso e seus óculos. Mas Hollywood adora Denzel. Com seu carisma e o sorriso que desbanca qualquer um, ele encantou o público naquela noite. No seu trabalho de promoção do filme, Denzel também se empenha para tornar mais conhecido August Wilson, escritor vencedor de um prêmio Pulitzer que escreveu a história e a adaptou para o filme.

Mas Denzel também tem uma opinião firme sobre a agitação política que domina a temporada de premiações. A eleição de Trump foi resultado das frustrações das pessoas, disse ele, mas o foco agora deve ser encontrar quem trabalhe e resolva essa amarga divisão do país. “Não podemos continuar com raiva nos próximos quatro anos, e então? Não vamos confundir movimento com progresso. Ele pode ser caminho para o progresso, mas a pergunta é essa: ‘O que estamos fazendo para isso?’” Denzel, certamente, tem várias plataformas para se expressar. Em janeiro, recebeu sua sétima indicação para o Oscar de ator, consolidando uma posição de realeza em Hollywood. Sua última indicação, por Um Limite Entre Nós já era esperada, como também as outras indicações, de filme (ele foi o produtor), roteiro adaptado, atriz coadjuvante para Viola Davis. Mas os pares de Denzel surpreenderam no mês passado no Screen Actors Guild Awards, que, normalmente, é um prognóstico dos vencedores do Oscar. Durante toda a temporada, Casey Affleck tem levado os prêmios de melhor ator pela sua atuação em Manchester à Beira-Mar. Esperava-se que ele também abocanharia o Globo de Ouro. Mas o prêmio foi para Denzel, que subiu ao palco balançando a cabeça parecendo não acreditar na premiação. “Eu disse para mim, ‘você sabe que o jovem vai ganhar, Denzel, você não vai vencer’. Então, eu não me preparei.” Ambientado nos anos 1950, Um Limite Entre Nós aborda a vida de Troy Maxson (Denzel) um catador de lixo que sonha em ser um jogador de beisebol, e de sua mulher Rose (Viola Davis). Denzel e Viola têm muita familiaridade com os personagens, pois trabalharam na peça em 2010 e com tamanho sucesso que ganharam o prêmio Tony de teatro. “Um Limite Entre Nós é a sexta das 10 peças de Wilson que tratam das vidas de afro-americanos em cada década do século 20. Denzel vem trabalhando para levar as outras nove peças para a tela. Até agora, já rendeu US$ 54 milhões nos EUA. Produzir o filme levou décadas. Havia um projeto nos anos 1980, mas os planos foram retardados porque Wilson insistiu em um diretor afro-americano. Ele morreu em 2005 e quatro anos depois o produtor Scot Rudin, que adquiriu os direitos do filme, enviou o roteiro para Denzel e o convidou a estrelar e dirigir o filme. “É o maior ator americano vivo, o filme não existiria sem ele”, afirmou Rudin. Perguntei a ele se concordava com Wilson no sentido de que o filme tinha de ter um diretor negro. “Scorsese poderia ter dirigido A Lista de Schindler, mas existe uma diferença cultural. Este filme está enraizado na cultura afro-americana.” Se o filme tivesse sido lançado um ano antes possivelmente teria mudado a história do Oscar. No ano passado irrompeu uma grande controvérsia quando os atores indicados eram todos brancos, fato que ocorria pelo segundo ano consecutivo. Mas para Denzel, o sucesso de filmes como Um Limite Entre Nós, Estrelas Além do Tempo e Moonlight – Sob a Luz do Luar, também indicados para o Oscar e com atores negros não pode ser visto como... correção na premiação do Oscar. “Wilson é chamado de Shakespeare americano. E não está inserido em nenhuma cota. A premiação é tão importante para as pessoas se exprimirem, como também para os artistas negros continuarem a lutar por esses avanços. Você tem de continuar conectado, trabalhando, escrevendo.” / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO