Opinião | Desesperador e bizarro, ‘O Mal que Nos Habita’ já é um dos grandes filmes de terror de 2024

Longa-metragem argentino surpreende pela abordagem inventiva de uma possessão, tema já comum ao gênero, transformando-o em algo ainda mais urgente e angustiante; leia crítica

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Foto do author Matheus Mans
Atualização:

Quando falamos de filmes sobre possessão, estamos falando de histórias que seguem um “bê-á-bá” clássico: uma pessoa é dominada por um demônio que, por sua vez, só sairá desse corpo quando instrumentos religiosos forem usados contra a entidade.

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É assim em O Exorcista, que praticamente inaugurou o gênero, e seguimos dessa forma em Invocação do Mal, O Exorcista do Papa e por aí vai. Mas não é esse o caminho de O Mal que nos Habita, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 1º.

O longa-metragem argentino elimina a solução religiosa desde o começo. Deus está morto. As igrejas não existem mais, eliminando qualquer forma de solução depositada em uma entidade superior. É nesse contexto que dois irmãos (Ezequiel Rodríguez e Demián Salomón) se veem sem saída quando uma vizinha revela que um de seus filhos está possuído, prostrado na cama há meses, e que ela não sabe mais o que fazer.

E aqui, outra sacada criativa do diretor e roteirista Demián Rugna (do mediano Aterrorizados): o possuído não é como Reagan, de O Exorcista, que fica girando a cabeça e falando com voz grossa em outro idioma. O possuído tem o corpo deformado por feridas e não está interessado em ficar apenas naquele corpo – afinal, qual seria a utilidade? Seu objetivo é ser como uma doença que se alastra, possuindo tudo ao redor, como em Corrente do Mal.

Possessão e a corrida contra o tempo

Ao longo dos 99 minutos de filme, acompanhamos personagens desesperados, indo de um lado para o outro, tentando escapar dessa possessão que não se resguarda em um corpo, mas que se abate como uma sombra em todo um vilarejo.

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Rugna se mostra um tanto quanto negativo quanto aos rumos do mundo: parece que não há meios de escapar do mal, que cresce de forma exponencial. Ninguém está a salvo e ninguém, no fim, poderá escapar.

Obviamente, por trás desse discurso, ainda há um significado religioso – é como se um mundo sem Deus estivesse entregue ao mal. Sem igreja, sem salvação. No entanto, O Mal que Nos Habita foge daquela dicotomia cansativa.

Ele coloca pessoas comuns – e um certo misticismo, em cima principalmente da personagem de Silvina Sabater (de Sol de Agosto) – contra uma entidade que, antes, só poderia ser derrotado por alguém com batina.

Cena do filme 'O Mal que nos Habita'. Foto: Paris Filmes/Divulgação

É uma narrativa esperta, que nos deixa mais próximos do cerne preocupante da questão, e que nos afasta de soluções fáceis. Por isso, inclusive, é um filme ainda mais aterrorizante do que muita coisa sobre possessão dos últimos anos: a resposta para tudo está na forma que lidamos com essa criatura de outra dimensão; mas será que temos habilidade para tal?

Enquanto nos aterroriza com essa história, o argentino Demián Rugna também nos faz temer visualmente. Não apenas com o possuído, que dói aos olhos, mas com certas decisões: há uma sequência em que um dos irmãos está tentando salvar os filhos e, de repente, um cachorro morde agressivamente (e de maneira fatal) uma das crianças. É algo que diretores em produções hollywoodianas fugiriam e não teriam coragem de colocar na tela. É assustador.

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O Mal que Nos Habita, assim, faz jus ao que a crítica de todo o mundo tem falado. Por mais que tenha um final um tanto quanto didático demais, exagerando no discurso, o filme é tudo aquilo que buscamos em uma história de terror.

É desesperador, assustador, bizarro e, acima de tudo, não coloca a nossa esperança em uma entidade superior. Mostra, na verdade, um mundo sem esperança, em que não sabemos como lidar com o estranho quando não há mais nada a recorrer. É o fim da esperança. É o terror de nossos dias.

Opinião por Matheus Mans

Repórter de cultura, tecnologia e gastronomia desde 2012 e desde 2015 no Estadão. É formado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com especialização em audiovisual. É membro votante da Online Film Critics Society.

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