‘Deus Ainda É Brasileiro’, com Antonio Fagundes, tem humor, fogo e meteoro

O ‘Estadão’ acompanhou filmagem do longa, em Maceió, terra natal do diretor Cacá Diegues

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MACEIÓ - Ele está no meio de nós, de novo, só que agora, em Maceió, a cidade natal do cineasta Cacá Diegues. É em Alagoas que o diretor de 82 anos roda Deus Ainda É Brasileiro, regressando ao universo do “realismo maravilhoso” que, em 2003, rendeu ao audiovisual brasileiro um êxito de bilheteria com 1.635.212 ingressos vendidos. Antonio Fagundes retorna ao papel principal.

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Ele volta a ser o Todo-Poderoso, uma vez mais caracterizado com uma camisa quadriculada e um guarda-chuva. Taoca, seu antigo guia nas andanças pelo Nordeste, vivido por Wagner Moura, morreu, aparecendo apenas em fotos. É no velório dele que o Senhor aparece.

“É uma comédia cívica”, define Cacá ao Estadão numa entrevista na Associação Comercial de Maceió, onde Fagundes roda uma divertida sequência, em que sai de um elevador com um bode. “Por pouco, se as eleições não tivessem tomado o rumo que tomaram, eu teria de mudar o título, pois o ‘ainda’ perderia o sentido, uma vez que essa palavra simboliza nossa resistência, ao significar um ‘apesar de tudo, seguimos’. Mas a gente saiu do sufoco. Agora, no cinema, não nos cabe inventar um Brasil novo e, sim, descobrir que país ele é ou pode ser”.


Bastidores do filme 'Deus Ainda É Brasileiro', de Cacá Diegues, com Antonio Fagundes  Foto: Gabriel Moreira


Deus parece concordar com Cacá. No mínimo, seu intérprete concorda: “Nos últimos quatro anos, a gente percebeu que não conhecia o Brasil tão bem quanto acreditava, tanto é que vivemos divididos, gerando uma massa desconhecida. É hora de refletir”, diz Fagundes.

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Deus raivoso

Imbuído desse espírito crítico, o Senhor vivido pelo astro está menos confuso e estressado do que no filme anterior, baseado no conto O Santo que não Acreditava em Deus, publicado pelo baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) em Já Podeis da Pátria Filhos e Outras Histórias, de 1991. Numa trama que Cacá define como um spin-off (um derivado) e não como continuação direta do longa lançado há 19 anos, o Altíssimo está danado da vida com os rumos que a humanidade tomou. Danado a ponto de considerar o envio de meteoro para zerar a Terra.




“Deus se desapaixonou do mundo, de sua criação. E passa por isso talvez por ele ser um Deus muito parecido com a humanidade. O roteiro desse filme representa aquilo que nos sobrou de mais caro: a inteligência do povo brasileiro, sobretudo o nordestino, para sobreviver às dificuldades. Todo filme meu é uma mistura de gêneros. Este tem comédia, como o anterior tinha, mas vai além disso. Vai ter efeitos visuais, com os poderes de Deus, com fogo, com a vinda do meteoro, mas não é isso que é sua essência. Ele me põe de volta na estrada, como Bye Bye Brasil fazia. Mas o que existe de mais valioso num road movie, no ‘filme de estrada’, é o que se passa à margem dela”, diz Cacá, que convocou a LC Barreto, de seus amigos Lucy e Luiz Carlos Barreto, para fazer o projeto do filme, fotografado por Edgar Moura.


O roteiro desse filme representa aquilo que nos sobrou de mais caro: a inteligência do povo brasileiro, sobretudo o nordestino, para sobreviver às dificuldades

Cacá Diegues


No fim dos anos 1970, pouco depois do fenômeno popular Xica Da Silva - maior sucesso comercial de Diegues, visto por 3,1 milhões de pagantes em 1976 -, Cacá procurou os Barreto com uma ideia: falar sobre uma trupe de circo que rodava o País indo aos confins da Amazônia. Barretão achou a premissa parecida demais com La Strada (1954), de Fellini, chamado de A Estrada da Vida no Brasil.

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Cannes

Já Lucy enxergou frescor e, sobretudo, brasilidade no ensejo do cineasta alagoano, incentivando-o a tirar o que viria a ser Bye Bye Brasil do papel. O resultado: um cult que vendeu 1,5 milhão de tíquetes, concorreu à Palma de Ouro de Cannes e tornou-se um dos maiores longas do cinema latino-americano. A sinergia do passado com a LC se repete agora, mas representada pela produtora Paula Barreto, filha de Lucy e Luiz, que toca o set.



“Venho trabalhando com Cacá nessa nova aventura desde as reuniões do roteiro e ele é muito aberto a ideias, esbanjando jovialidade na criação, um pouco como o papai, que está com 94 anos. Essa geração não tem ideias preconcebidas”, diz Paula, que finaliza a produção ao longo de 2023, prevendo o lançamento para 2024. Cheio de diálogos engraçados, Deus Ainda É Brasileiro pode repetir o feito do primeiro filme. Pode representar para Alagoas algo como Cine Holliúdy representou para o Ceará: ser um filme de sucesso que celebra o espírito nordestino. “O nosso compromisso é deixar um legado aqui, usando uma equipe majoritariamente local. Do elenco, só Fagundes, Bruce Gomlevsky e Otávio Müller vieram do Sudeste.”


Cacá Diegues no set de filmagens de 'Deus Ainda É Brasileiro', estrelado por Antonio Fagundes Foto: Gabriel Moreira


Na trama, Deus reencontra Quinca das Mulas (Gomlevsky), a quem um dia viu como possível sucessor, e revê Madá, outrora vivida por Paloma Duarte e, agora, interpretada pela alagoana Ivana Iza. “Contracenar com Deus é divino”, brinca a atriz.

Com cidades como Ipioca e Piranhas, Cacá se orgulha de poder rodar um longa em seu berço. “Saí daqui com 6 anos para viver no Rio, mas Alagoas sempre esteve em mim e sempre nos deu brasileiros extraordinários”, diz o diretor.

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