PUBLICIDADE

Dira Paes estreia na direção em projeto com o marido: ‘Tínhamos filhos, mas não tínhamos filmes’

A ideia de ‘Pasárgada’, que chega aos cinemas, nasceu enquanto a atriz refletia com o marido, diretor de fotografia, sobre vida, desejos e propósitos; além de roteirizar e dirigir, ela é a protagonista do filme e atua com Humberto Carrão

PUBLICIDADE

Foto do author Matheus Mans
Atualização:

Foi durante a pandemia de covid-19 que a atriz Dira Paes decidiu se refugiar da civilização ao lado de seu marido, o diretor de fotografia Pablo Giannini Baião. Foi para uma casa no meio do mato, viver entre os sons de pássaros e o barulho calmante do rio ali perto. Nessa experiência de se voltar para dentro de si própria, e de olhar para a natureza, é que ela viu que precisava dar um novo passo na carreira: dirigir e roteirizar um filme pela primeira vez.

Dira Paes é a diretora, protagonista e roteirista de 'Pasárgada' Foto: Peter Wery/Divulgação

PUBLICIDADE

O resultado é Pasárgada, filme com passagem bem recebida pelo Festival de Gramado e que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 26. Na história, Dira interpreta Irene, uma ornitóloga, profissional que estuda e observa pássaros na natureza, mas que também está cumprindo uma outra missão para um estrangeiro – aos poucos, essa tal missão vai ficando mais clara e os caminhos vão sendo turvados ao falar sobre tráfico de animais. É um filme de silêncio, de observação e de intimidade.

Aliás, mais do que isso: é uma espécie de comemoração, com a atriz prestes a completar 40 anos de carreira. “Foi um caminho natural”, diz, em entrevista por vídeo ao Estadão, sobre o desejo de dirigir um longa-metragem. “Isso acontece com muitos atores e atrizes, de querer entender o outro lado. E culminou neste momento em que estou comemorando 40 anos de carreira, então foi um marco significativo para mim.”

Na essência do filme, encontramos muito de Dira. A calma da história, a brasilidade que invade a tela, a preocupação com temas que lhe são caros. Filmado no Arraial do Sana, em plena mata atlântica, no distrito de Macaé, no Rio, Pasárgada surge em meio à floresta, enquanto a conexão da diretora com o ativismo ambiental foram elementos que a inspiraram para tornar a relação com a natureza algo tão conectado à sua estreia na direção.

Em cena, além de Dira Paes, apenas Humberto Carrão. Ele é um mateiro que ajuda Irene a se locomover por ali em busca do pássaro que ela tanto quer encontrar. “Foi muito bonito ver a Dira descobrindo outras formas de criar”, conta ele. “Ela levou todo o olhar e talento dela de atriz também para a direção. Tem algo nesse trabalho de dirigir que é cativar os outros com sua ideia, com seu olhar, com a forma como você quer contar aquela história. Foi incrível ver isso de perto, em cena, na preparação e na despedida de cada cena”, finaliza o ator.

A seguir, Dira Paes fala sobre os desafios da estreia atrás das câmeras, sobre o que quer contar nos cinemas e a importância de encontrar novos caminhos neste momento.

De onde veio a ideia de fazer um filme?

O projeto teve um grande impulso. Foi algo que eu já vinha elaborando há algum tempo, e a pandemia nos proporcionou, a mim e ao Pablo, a oportunidade de termos um tempo para falar de nós mesmos, de nossa vida. A pandemia provocou uma revalidação dos valores, desejos, propósitos, e nos deu um tempo que, em 15 anos de casamento — estamos chegando a 19 com a estreia do filme —, nunca tínhamos tirado.

Publicidade

Eu sou casada com um diretor de fotografia, então, de certa forma, seria natural que tivéssemos feito um projeto juntos antes, mas isso ainda não tinha acontecido. Tínhamos dois filhos, mas nenhum filme (risos). Esse tempo nos fez perceber que a pandemia, com todo aquele sentimento de proximidade do fim, nos provocou a romper fronteiras e criar provocações para nossa própria existência.

A pandemia, então, influenciou seu fazer.

Acho que foi fruto de uma ebulição existencial, um desejo de realizar um projeto com o Pablo. Eu queria participar de absolutamente todas as etapas do filme. Queria estar imersa nele do início ao fim, vivenciar cada parte. Acho que, para fazer um filme, você precisa ter muito desejo, e eu embarquei nessa viagem.

Eu sabia que, em parte, estava contando comigo mesma para chegar até essa estreia. Foi um caminho natural, sabe? Isso acontece com muitos atores e atrizes, de querer entender o outro lado. E culminou neste momento em que estou comemorando 40 anos de carreira, então foi um marco significativo para mim. O filme acaba sendo uma grande celebração.

Dira, você falou dessa experiência de estar do outro lado. Queria saber como foi para você protagonizar, dirigir, roteirizar... Como lidar com tantas funções ao mesmo tempo?

Foi o meu desafio pessoal. Eu queria explorar todas as portas que estava abrindo. Agora, sinto que estou numa nova etapa, após a estreia em Gramado, respondendo a perguntas, cumprindo essa fase também. Como eu sabia que estaria em frente às câmeras, me preparei durante todo o processo de criação — desde o argumento, o esqueleto do filme — para que as pessoas entendessem o que eu queria fazer. Às vezes, o roteiro por si só não é suficiente, então você precisa mostrar seu filme às pessoas, para que compreendam sua visão. Isso tudo me alimentou muito para interpretar a Irene. Eu queria uma outra Dira.

PUBLICIDADE

Essa personagem representa um movimento diferente de provocação. Durante as filmagens, eu contava muito com o Pablo, não apenas como diretor, mas como alguém com um olhar externo. No entanto, sendo sincera, eu tinha um feeling, especialmente nas cenas em que eu estava sozinha. Eu sabia quando algo estava bom, eu sentia isso. Para mim, isso era direção. Claro, havia uma certa esquizofrenia nisso. Um ator precisa ter essa percepção, esse olhar, entender a distância e o espaço. Muitas vezes, a dinâmica do ator é como a de um jogo, em que você precisa preencher o campo inteiro.

Foi um processo bom, então?

Filmar foi emocionante e frustrante ao mesmo tempo. No primeiro dia de filmagem, tudo correu bem, mas no segundo dia, uma chuva torrencial nos impediu de continuar. Eu lembro do Inácio, meu filho, que na época tinha 12 anos e estava ajudando na produção, dizendo para as pessoas não cobrarem aquele dia de mim. Ele ficou muito preocupado quando percebeu a importância de um dia de filmagem para o orçamento.

Dira, você está completando 40 anos de carreira. Qual a importância de, nesse momento, ocupar novos espaços e enfrentar novos desafios?

Acho que é uma tendência natural. Nos tornamos donos de nós mesmos. Nós por nós. É como eu vejo minha trajetória agora, pensando nos anos que já dediquei a isso e no quanto ainda posso contribuir. Eu quero viver mais 40 anos nesta carreira, como Laura Cardoso, Dona Fernanda Montenegro. Quero ver o que minha “máscara” ainda pode me trazer, que personagens vou interpretar. Eu já interpretei muitos personagens, de vários “Brasis”. Às vezes, as pessoas até se confundem: acham que sou nordestina, pantaneira... E eu gosto disso, dessa brasilidade. Eu digo erroneamente que sou uma amazônica, mas na verdade, sou brasileira de várias regiões. Meu tipo físico tem no Brasil inteiro. Eu gosto dessa confusão. Me sinto parte de todos esses lugares. Meu tipo é fruto de uma mistura cabocla, gaúcha, negra, portuguesa, latino-americana. Esse é o Brasil.

Publicidade

Dirigir um filme, então, é um processo que surge naturalmente?

Sim, eu vejo essa expansão como algo natural. Engraçado, não queria falar da pandemia, mas a tecnologia nos mostrou que somos os instrumentistas. E não podemos mais ser passivos. A velocidade das mudanças exige ação, mas também precisamos manter o que há de mais humano em nós. A atriz continua aqui, querendo tudo, enquanto a diretora é mais observadora. Talvez eu seja mais lunar como diretora e mais solar como atriz.

Embora ‘Pasárgada’ não seja um filme político, ele tem um tom político, especialmente nas questões ambientais e na independência da personagem. Qual a importância disso pra você, ainda mais na sua estreia?

Quando você faz uma pesquisa sobre um assunto, é inundado por informações que não podem ser ignoradas. O tráfico de animais silvestres, por exemplo, foi um tema que surgiu quando comecei a pesquisar sobre pássaros e a vida de uma ornitóloga. Não dava para deixar de lado. O meio ambiente é o número um. Eu sempre fui ativista, desde os 13 anos, antes mesmo de ser atriz, quando entendi o que era cidadania. Essa consciência sempre fez parte de mim, então não preciso me esforçar para me posicionar. Eu sempre fui assim. E acredito que estar vivo é ser um ser político. Isso não é algo negativo. Você precisa agir politicamente para respeitar as regras da cidadania e viver em sociedade.

No filme, a personagem está imersa na Mata Atlântica, que sofre com o tráfico de animais. Eu queria mostrar essa realidade, provocar as pessoas com o desconhecimento. O filme também explora essa conexão entre a natureza e a vida acadêmica da protagonista, que é diferente dos mateiros, que têm uma sabedoria pura. Eu queria provocar o público, mostrar essas camadas, sem entregar muito da história. Acho que a Irene, a personagem, é o meu avesso, e gosto de como o filme é nublado, introspectivo, com uma câmera que observa como a cabeça de um pássaro. Espero que as pessoas sejam tocadas por essa jornada.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.