LOS ANGELES (THE NEW YORK TIMES ) – O diretor Denis Villeneuve e o ator Timothée Chalamet entraram na sala conversando em um francês bem rápido, meio que falando um por cima do outro. Villeneuve é de Quebec. Chalamet nasceu em Nova York, mas também tem cidadania francesa. Juntos, formam uma dupla dinâmica vestida de preto da cabeça aos pés, quase idênticos, embora as camadas de couro brilhante de Chalamet sejam mais chamativas.
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A pauta do dia é genocídio galáctico e messias duvidosos, temas centrais de Duna: Parte Dois (estreia no Brasil na próxima quinta, 29), o segundo filme de seu épico espacial e cerebral, baseado no romance de 1965 de Frank Herbert. Mesmo assim, os dois estão sempre à beira de um ataque de riso.
“Faz um tempo que não nos vemos, então é uma festa”, disse Villeneuve, 56 anos, pedindo desculpas e passando para o inglês. Quando o café chega à sala do hotel Four Seasons, em Los Angeles, as duas canecas tilintam. “É a nossa especiaria”, ele sorriu, referindo-se à substância psicodélica encontrada apenas em Arrakis, um dos planetas do filme.
Em Duna, a especiaria é o recurso mais valioso do universo. Herbert o concebeu como uma poeira brilhante que expande mentes, possibilita viagens interestelares e dispara batalhas sangrentas por seu controle e distribuição. Combine os efeitos alucinantes do mescal com o conflito geopolítico do petróleo e a violência do contrabando da era da Lei Seca. Multiplique pelo número de estrelas no céu e você vai ter uma ideia.
A primeira parte de Duna, lançada em 2021, ganhou seis Oscars. No ponto alto do filme, o herdeiro protegido Paul Atreides (Chalamet) é raptado do complexo de mineração de especiaria da sua família e deixado para morrer no escaldante deserto de Arrakis, repleto de monstros da areia com presas do tamanho do Empire State Building.
Para sobreviver até a Parte Dois, a mãe de Paul, Jessica (Rebecca Ferguson), encoraja os Fremen, uma tribo do deserto, a acreditar que seu filho é o tão esperado salvador. O perigo é que Paul também acabe acreditando nisso, no mesmo momento em que a especiaria alucinógena o atormenta com visões de uma jihad travada em seu nome.
História pesada. Mas isso não abala o humor deles. Sempre sorrindo, Chalamet, 28 anos, disse: “A grande ironia de trabalhar com um mestre como Denis é que não é uma experiência pomposa”. Os dois falaram mais sobre a possível terceira parte da franquia, a busca pela perfeição impossível e aqueles infames baldes de pipoca com o monstro de Duna. Aqui vão trechos editados da nossa conversa.
Algumas pessoas descreveram sua dinâmica como uma coisa de pai e filho. É assim que vocês se sentem?
DENIS VILLENEUVE: No começo, fiquei com pena de trazer o Timothée para uma produção dessa escala. Ele tem a idade dos meus filhos, e eu tentava encontrar maneiras de cuidar do meu novo amigo. Talvez eu tenha sido um pouco paternalista.
TIMOTHÉE CHALAMET: Eu me senti muito grato. A escala era tão grande, os atores eram verdadeiros titãs. Senti uma aura protegida.
VILLENEUVE: Quando ele entrou no set da Parte Dois, foi totalmente diferente. Muito mais confiante. Muito mais sólido. Ele não estava mais impressionado com o tamanho das coisas. Você já estava de saco cheio daquilo!
CHALAMET: Não!
VILLENEUVE: Foi a primeira vez que tive a oportunidade de ver um artista crescendo diante das câmeras. Foi muito comovente.
Vocês entraram falando francês. Vocês falavam francês no set de filmagens, como um idioma particular?
VILLENEUVE: Sim. Foi a maneira como conseguimos encontrar intimidade no meio do caos. Era a nossa paisagem protegida. Uma linguagem secreta.
CHALAMET: Falou tudo. Era a nossa bolha.
As pessoas talvez tenham saído de ‘Duna: Parte Um’ pensando: ‘Esse garoto Paul Atreides é incrível, mal posso esperar para vê-lo dominar este planeta’. Mas aí vem a desilusão.
VILLENEUVE: Frank Herbert queria que o livro fosse uma advertência contra líderes religiosos carismáticos. Ele sentiu que fracassou, porque as pessoas não souberam interpretar suas intenções. Então ele escreveu Messias de Duna, um epílogo para deixar bem claro quais eram suas ideias. Acho que o filme é mais trágico e dramático que o livro porque está mais próximo das intenções de Frank.
Você falou sobre fazer ‘Duna: Parte Três’, baseado no romance ‘Messias de Duna’, que se passa doze anos depois que Paul é coroado Imperador do Universo Conhecido. Sob seu governo, morrem 61 bilhões de pessoas.
VILLENEUVE: Caramba, Chalamet, culpa sua!
CHALAMET: Não fui que escrevi o livro!
Mas você está esperando até que Timothée fique mais velho, daqui uns seis anos. Você vai esconder o protetor solar dele, para que ele envelheça mais rápido?
VILLENEUVE: Ele sempre vai parecer jovem. Vamos ter que usar a magia da inteligência artificial.
Mas as visões de Paul sobre o futuro não são o que vai acontecer – são o que pode acontecer...
VILLENEUVE: Sim. Tentei encontrar um jeito de explicar cientificamente o que acontece. Paul é um jovem hipersensível a um alucinógeno... psicótico?
CHALAMET: Psicotrópico.
VILLENEUVE: É a substância psicotrópica que dá a visão do futuro. Eu não queria que o personagem dissesse: “OK, isso vai acontecer daqui a cinco minutos, então vou tomar meu café agora”. Assim como os sonhos, essas visões são místicas, são enigmas. O mais importante quando sonhamos não são as imagens, mas sim as emoções.
A especiaria de Frank Herbert era a psilocibina. Ele gostava de cogumelos muito antes da moda da microdosagem.
VILLENEUVE: Ele estava na Califórnia...
CHALAMET: Nos anos 60!
VILLENEUVE: É um homem do seu tempo.
Mas as pessoas também falam que ele era uma pessoa à frente de seu tempo, que previu aspectos do nosso futuro. O que ele diria sobre o presente?
VILLENEUVE: Ele diria: “Vocês não me ouviram!”
CHALAMET: “Eu avisei”.
VILLENEUVE: Ele foi muito preciso, é até assustador.
Tenho um amigo que fez uma tatuagem com aquela frase de ‘Duna’: ‘O medo é o assassino da mente’. Fazer esses filmes mudou a forma como vocês lidam com o medo?
CHALAMET: Interpreto um personagem que tem os pés no chão e que está – porque todos os olhos estão voltados para ele – passando por uma coisa com a qual posso me identificar.
VILLENEUVE: Fazer esses filmes toma muito tempo, então isso tem um impacto na nossa psique. Botou uma semente dentro de mim, com certeza. Desenvolvi a capacidade de me sentir confortável mesmo quando não tinha a resposta de imediato.
Foi um ano difícil para os filmes de super-heróis. Esta história nos pede para pensarmos com mais clareza sobre heróis, salvadores, escolhidos. Timothée, podemos dizer que, se você quisesse interpretar um super-herói, você já teve oportunidades?
CHALAMET: Bem, Leonardo DiCaprio me disse: “Nada de filmes de super-heróis, nada de drogas pesadas”. Achei que foi um conselho muito bom.
VILLENEUVE: Qual parte?
CHALAMET: Eu sigo as duas partes! Mas o filme que me fez querer atuar foi um filme de super-herói, O Cavaleiro das Trevas. Se o roteiro fosse ótimo, se o diretor fosse ótimo, eu teria pensado melhor.
‘Duna’ existe num mundo pós-computador. Os computadores foram destruídos e todos decidiram não os reconstruir.
VILLENEUVE: Eles baniram a IA e o computador. Estão tentando aumentar as capacidades humanas biologicamente, em vez de fazer máquinas externas. Duna não é exatamente um filme de ficção científica. É mais uma história sobre assimilar uma nova cultura. Para mim, é mais interessante explorar a maneira como eles caminham na areia. É mais poético e cinematográfico do que uma nave espacial.
Com esse espírito, vocês filmaram em locações de verdade na Jordânia e em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, representando um planeta onde só é seguro sair para o ar livre ao nascer e ao pôr do sol. Imagino que isso significava filmar sob uma estreita janela de luz solar.
CHALAMET: Sem dúvida. As cenas com Chani [interesse amoroso de Paul, interpretada por Zendaya] nós filmávamos de madrugada – às vezes ao longo de três dias – porque só tínhamos uns 40 minutos.
VILLENEUVE: O mérito é todo dos atores, porque o diretor de fotografia [Greig Fraser, que ganhou um Oscar pelo primeiro Duna] e o diretor são teimosos e querem uma luz exata, que só existe por dez minutos. Eu não queria abrir mão de nada. Tem cenas que na tela parecem muito simples, mas que foram filmadas em vários ambientes diferentes, só para garantir que teríamos a pedra certa, na cor certa, na hora certa e com o sol certo. Tudo foi construído como um quebra-cabeça.
Mesmo assim, tive a impressão de que você aceita um pouco de imperfeição para equilibrar a grandiosidade. Tem uma cena em que Florence Pugh usa um adereço de corrente que fica escorregando do nariz. Outro diretor teria pedido várias tomadas, dizendo que era preciso cortar, consertar, deixar tudo perfeito. Você escolheu não fazer isso.
VILLENEUVE: [Faz uma careta de dor.]
CHALAMET: Ele vai editar a cena agora mesmo.
VILLENEUVE: Não, não. É um equilíbrio entre perfeição e vida. A vida é caos. Tenho muito TOC, mas o trabalho dos atores sempre prevalece. Sei exatamente do que você está falando. Bem observado. Leonard Cohen diz que todas as coisas têm uma rachadura, e é por aí que a luz entra. Eu acredito nisso. Parte de mim tentou deixar tudo perfeito. Mas a vida é mais forte, e eu prefiro que seja assim.
As imperfeições fazem o mundo de ‘Duna’ parecer humano.
VILLENEUVE: Fico comovido com o que você está dizendo, porque é uma coisa que me desafia. Às vezes, sei que o movimento da câmera não está absolutamente perfeito, mas tem algo na atuação dos atores que parte meu coração. Então [palavrão]. Escolho essa tomada porque parece mais poderosa.
Vocês estão bem acostumados com os elogios. Denis, você já foi chamado de gênio, o Stanley Kubrick desta geração...
VILLENEUVE: Aprendi muito cedo na carreira que, quanto maiores as flores, maior o vaso que vem depois. Se você recebe um grande elogio, logo depois alguém diz que você é medíocre.
CHALAMET: É uma ótima frase. Quanto maiores as flores, maior o vaso. Uau.
E, Timothée, você recebeu sua primeira indicação ao Oscar com apenas 22 anos. Imagino que vocês se identifiquem um pouco com o arco do filme: a tentação de acreditar na própria fama.
VILLENEUVE: Felizmente, sempre me sinto um impostor, então não tem perigo!
CHALAMET: Eu diria que a diferença é que, nesta história, são vidas humanas que estão em jogo. O papel do ator nunca é tão importante assim, mesmo que você esteja fazendo um trabalho poderoso e que as pessoas se identifiquem com seu papel. Faz sentido isso?
VILLENEUVE: Eu não estava prestando atenção.
Espero que você não esteja pensando no nariz da Florence.
VILLENEUVE: Não, não, não, não, não!
CHALAMET: Ele está mandando mensagem para o Joe [Walker, que também ganhou um Oscar pela edição de Duna].
VILLENEUVE: Chega um momento específico em que você sabe que o filme acabou, porque você tenta corrigir a edição e o filme contra-ataca.
CHALAMET: Não toque mais em mim.
VILLENEUVE: Não está perfeito, mas...
CHALAMET: Já que estamos falando nisso, me lembrei daquela cena que...
[Os dois dão risada.]
Timothée, certa vez você disse que, quando Denis segurava [uma cópia do livro] ‘Duna’ nas mãos, sua linguagem corporal era a de uma criança. Como assim?
CHALAMET: Ele ficava incrivelmente entusiasmado, fazia graça. Reservava um tempo para pensar nas coisas ou reler o livro. Austin Butler contou em entrevistas que, quando achou ter encontrado a voz de Feyd-Rautha [o sádico inimigo de Paul], Denis virou para ele e disse: “Espere aí, preciso sonhar um pouco com isso”.
VILLENEUVE: Bobagem. Ele não está aqui para confirmar.
CHALAMET: Mas o entusiasmo total de Denis inspira todo mundo no set. Cada ator, cada integrante da equipe, todo mundo quer deixá-lo orgulhoso.
VILLENEUVE: O cinema é um ato de presença, exige que você fique totalmente aberto. Sei que no set pareço uma criança de 4 anos – tenho consciência disso – mas me divertir com os brinquedos é meu jeito de fazer cinema.
Falando nisso, parece que a internet está meio apavorada com os baldes de pipoca com formato de monstro da areia.
[Chalamet lança um rápido olhar para Villeneuve. Os dois dão uma risadinha nervosa.]
VILLENEUVE: Não quero fazer piadas estúpidas agora, piadas das quais vou me arrepender amanhã de manhã. Mas vou falar uma coisa. Quando eu vi, pensei: “Minha nossa”. Que [palavrão] é essa?! Ao mesmo tempo, gerou muita diversão online. Então talvez seja algo positivo, quem sabe? Tem um design... impressionante.
Eu respeito as escolhas ousadas.
CHALAMET: Não sei dizer se alguém está em casa agora dizendo: “Meu design funcionou perfeitamente e todo mundo está falando sobre ele”. Ou se alguém está brutalmente ofendido com a reação das pessoas.
VILLENEUVE: No final das contas, parece que o balde rendeu muita risada e alegria, o que eu acho que é...
CHALAMET: Uma coisa de que estamos precisando cada vez mais.
VILLENEUVE: Mas eu não...
CHALAMET: Você não esteve pessoalmente envolvido no processo de design.
VILLENEUVE: Achei que você estivesse!
CHALAMET: Foi ideia minha!
[Os dois dão risada.]
/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Correções
A primeira versão do texto trazia a data de estreia de 'Duna 2' como 14 de março. Na verdade, o filme estreia na próxima quinta, 29. A informação foi corrigida.
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