'...E o Vento Levou' e o cinema racista que incomoda

Na esteira da declaração de John Ridley, roteirista de '12 Anos de Escravidão', Luiz Carlos Merten seleciona filmes cujo racismo está, mais que nunca, 'totalmente out'

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Falando no funeral de George Floyd, a antiga professora lembrou o menino que queria ser magistrado. Ele não conseguiu, mas fez mais - “Está mudando a Justiça”, disse a emocionada mestra. A morte brutal de Floyd, sufocado por um policial branco, provocou o furacão que varre os EUA e o mundo. Por toda parte sucedem-se os protestos, as reivindicações. Em Londres, estátuas de líderes colonialistas/racistas foram derrubadas por multidões ernfurecidas. Nem os clássicos do cinema estão sendo poupados.

Clark Gable e Vivien Leigh, em '...E o Vento Levou' Foto: MGM

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Em carta ao The Los Angeles Times, John Ridley, roteirista de 12 Anos de Escravidão – filme de Steve McQueen premiado com o Oscar – acrescentou combustível à fogueira. Disse que, no quadro do #BlackLivesMatter, Vidas Negras Importam, não pode mais haver espaço para um filme como ...E o Vento Levou, pela maneira como retrata os negros. Imediatamente, a HBO Max retirou o clássico produzido por David O' Selznick de sua plataforma de streaming. Certamente haverá polêmica, pois a obra reflete uma época e possui inquestionável importância histórica. Nem por isso é menos, qual é a palavra, intolerável? A seguir, uma pequena viagem por filmes cujo racismo está, mais que nunca, totalmente 'out'.

Nascimento de Uma Nação

O clássico de David W. Griffith, de 1915, também é considerado o nascimento da linguagem. Mas a história sobre o ex-escravo – um ator branco flackfaced – que tenta estuprar a mocinha e ela prefere se matar, por mais bem filmada que tenha sido, há 105 anos -, já na época provocou protestos. A Associação para o Progresso das Pessoas Negras, o presidente da Universidade Harvard, jornais importantes. Todo mundo reclamou, houve passeatas em Nova York, Chicago, Boston. Griffith ficou tão surpreso que decidiu mostrar que era liberal, fazendo Intolerância em 1916.

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O Cantor de Jazz

O trabalho de Alan Crossland, de 1927, entrou para a história como o primeiro filme falado, mas hoje seria visto como piada, senão como aberração. Al Jolson faz cantor religioso judeu que pinta o rosto de preto, fazendo-se passar por negro para ser aceito como cantor de jazz. Sua primeira fala, 'Hello, mam', levava o público ao delírio, há 93 anos.

...E o Vento Levou

A adaptação do romance de Margaret Mitchell ganhou aquela penca de Oscars em 1939, incluindo melhor filme, diretor (Victor Fleming) e atriz (Vivien Leigh). Também fornece, até hoje, mais de 80 anos depois, uma grande lição de cinema narrativo. Mas é racista na evocação do Sul 'aristocrático' e no tratamento dispensado às personagens negras. Cúmulo do preconceito – Hattie MacDaniel ganhou o Oscar de coadjuvante pela sua Mammy, mas sequer pode assistir à estreia com o restante do elenco, porque as leis racistas da Georgia impediam que negros e brancos sentassem juntos.

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Outras etnias

O Judeu Süss

Em 1940, o ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels, publicou um decreto considerando esse filme “altamente recomendado por seu valor artístico e por servir à política de Estado, sendo recomendado para a juventude”. É outra aberração. Instigado pelo rabino satânico, seu discípulo torna-se ministro, persegue os arianos, estupra uma virgem e, ao cabo de outras atrocidades, termina queimado como castigo. O antissemitismo em todo o seu horror.

Correções

Quem escreveu o texto ao Times foi John Ridley, e não Solomon Northup (1808-1863).

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