Em busca do riso certo para o Coringa

Atores que já dublaram e interpretaram o personagem comentam o processo de construir a gargalhada característica do vilão

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Por Steve Knopper
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Durante anos, Andrea Romano deu um toque crucial aos atores que dublaram o Coringa em Batman: A Série Animada: não use camisas que façam barulho quando você se mover. “Era raro alguém entrar para fazer a voz do Coringa por mais de 20 minutos e não acabar banhado em suor. Isso exige uma quantidade enorme de energia”, disse Romano, que atuou como diretora de voz e elenco de Liga da Justiça e outras séries animadas. “Você vai querer agitar os braços e poderá arruinar a gravação com o som do tecido.”

Joaquin Phoenix interpreta o vilão Coringa no filme que conta a história do personagem. Foto: Warner

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Como Joaquin Phoenix mostra no novo filme Coringa, retratar vocalmente o vilão da DC Comics com uma sonora gargalhada é física e emocionalmente exigente. O Coringa carrega um niilismo devastador, é um poço profundo de raiva e tem uma grande incapacidade de conter impulsos homicidas. Para fazer o certo, Cesar Romero, Jack Nicholson, Mark Hamill, Heath Ledger e Jared Leto, juntamente com vários outros atores, tiveram que desenvolver timbres do puro mal e inventar diferentes tons de risos insanos.

Em Batman: O Cavaleiro das Trevas, de 2008, Ledger jogou o rosto inteiro na gargalhada, empurrando gritos como se estivesse dolorosamente dando à luz. Leto reconheceu sua falta de riso naturalmente barulhento, então em Esquadrão Suicida de 2016 ele se saiu com um "ha-ha-HYAH" estridente.

Em Coringa, Phoenix emprega uma série de risadas, suspiros profundos e assobios babados, soltando “HA HAs” inoportunos com sua voz profunda e elevando-a até um tom histérico. Phoenix e Todd Phillips não quiseram comentar este artigo, mas em uma entrevista coletiva o ator creditou ao diretor a inspiração com vídeos de pessoas que sofrem de “risadas quase dolorosas”. Ele disse que a risada “me consumiu muito tempo.”

Conseguir a voz do Coringa foi tão desafiador que Kevin Michael Richardson quase desmaiou várias vezes enquanto trabalhava na série de TV O Batman, de 2004 a 2008. “Lembro-me de rir tanto que fiquei tipo 'Uh-oh'. Graças a Deus eu estava sentado e havia uma parede atrás de mim”, disse Richardson. “Compromisso é uma coisa, mas caramba, Louise, você não quer chutar o balde enquanto está gravando.”

Para o indie de ação ao vivo de 2017, The Joker, o ator britânico Martin Challinor passou vários minutos em uma sala separada para se recuperar da hiperventilação causada pelas tomadas que havia acabado de fazer. “Na primeira vez, eu ainda estava rindo para mim mesmo. É algo como, ‘Certo, Respire’”, lembrou Challinor por telefone de Londres. “Tivemos que esperar meia hora para que eu pudesse me acalmar, ser novamente eu e ir e pegar o segundo take. E minha garganta estava me matando no final, eu lhe digo. Foi difícil.”

Os tons de risada diferiam para cada ator. Richardson construiu o seu a partir do Hannibal Lecter de Anthony Hopkins e o Jiminy Glick de Martin Short. Michael Emerson, que enfrentou um Coringa sombrio e assassino no vídeo de animação em duas partes Batman: O Retorno da Dupla Dinâmica, disse que “reprogramou” um pouco o tom depois de inventar sua própria risada durante passeios pelas ruas.

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“Você tenta algumas coisas, por sorte em particular, para que sua esposa não olhe furiosa para você”, disse o ator veterano, mais conhecido como Ben Linus em Lost. “Você pode dar uma risada maníaca para o Halloween, mas precisa haver uma voz que seja do mesmo instrumento, da mesma fonte.”

Para uma geração de telespectadores, Romero estabeleceu o personagem como um cara mau para crianças, lançado contra o tipo como um Coringa excêntrico e estridente na série de TV Batman dos anos 60. Para o filme Batman de 1989, Jack Nicholson baixou o registro do inimigo, tornando-o mais ameaçador, mas ainda caricatural.

Ambas as vozes contribuíram para o retrato de Mark Hamill no sombrio Batman: A Série Animada no início dos anos 1990. Hamill inicialmente dublou outros papéis na série; logo os produtores pediram que ele tentasse substituir Tim Curry, que não estava certo para esse Coringa.

Quando Hamill recebeu o roteiro da audição, sua cópia dizia: “Não pense em Nicholson”. Então, ele voltou à sua experiência na Broadway como Mozart em Amadeus – conta-se que o compositor teria surpreendido a corte imperial de Viena com sua risada semelhante a um relincho de burro. Hamill escreveu notas dos fictícios Blue Meanies nos filmes dos Beatles Submarino Amarelo e do ator de Drácula dos anos 1930, Dwight Frye, entre outras coisas, e ganhou o papel.

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“Eu olhei para esse desenho, e ele parecia ser todos os dentes, todos os dentes, todos os DENTES”, disse Hamill por telefone de sua casa em Los Angeles, estendendo a estranheza de um Blue Meanie. “Eu não queria ser uma 'risada do Coringa' – eu queria que houvesse toda uma paleta de cores, sinistra, intimidadora, alegre, insana, todas as emoções que você puder imaginar. É em grande parte como ele se comunica.”

Além dessa série, que foi de 1992 a 1995, Hamill interpretou o Coringa em vários spinoffs na televisão e em videogames. Com seu arsenal de risadas - ao telefone, ele deliciosamente ofereceu um baixo e risonho “hmm-hmm-hmm-hmm”, suaves gritos de “hoo” e o que ele chamou de "grande e amplo ah-hah-HA-HA" -HA-HAH!” - Hamill estabeleceu o padrão para a profundidade vocal e a riqueza do personagem.

O dublador veterano Troy Baker tomou emprestado pesadamente de Hamill para suas várias interpretações, começando com o videogame de 2013 Batman: Arkham Origins. (Baker assistiu a série de Hamill quando adolescente e disse que não fez a correlação com Luke Skywalker até muitos anos depois.)

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John DiMaggio deliberadamente lançou seu Coringa em tom mais baixo do que o de Hamill, em um tom quase Orson Welles, para o vídeo de 2010 Batman Contra o Capuz Vermelho e outros projetos. Reprimindo a voz por telefone, DiMaggio disse com uma risada: “Suponho que há um pouco de 'nyah-hah’”.

O dublador Steve Blum interpretou um Coringa moderado e sarcástico em Lego Batman: The Videogame (2008) e disse considerar Hamill “a melhor voz do Coringa de todos os tempos”. Jefferson Bell, que imitou o Coringa de Leto no Esquadrão Suicida em 2016 no curta chamado Mad Love: The Joker Harley Story, acrescentou que Luke Skywalker fornece ironia: “Você ouve uma voz como  deMark Hamill falando sobre como ele vai explodir um hospital e você fica tipo nossa, eu nem sei mais em quem confiar.’”

Cameron Monaghan, que interpretou Jerome Valeska, personagem pré-Coringa, na série Gothan da Fox, cresceu absorvendo Hamill em Batman: A Série Animada, nas manhãs de sábado e tinha idade suficiente para assistir ao Coringa de Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas em 2008. “Eu esboçava fotos do que ele fez, e como eu pensava que ele fez, e como eu achava que ele era, e apenas ria”, ele disse. “Eu ria sem parar.”/ Tradução de Claudia Bozzo

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