Houve muitos filmes inspirados em Van Gogh e sua vida trágica – leia aqui. Obras de Vincente Minnelli, Sede de Viver, em que Kirk Douglas foi extraordinário no papel; de Robert Altman e Maurice Pialat, para não falar do admirável curta em, preto e branco de Alain Resnais que ressalta a força dramática das telas. A versão de Altman, Vincent and Theo, interessa particularmente porque é a que mais se liga a Com Amor, Van Gogh. A animação de Dorota Kobiela e Hugh Welchman inspira-se na correspondência entre os irmãos: Cartas a Theo.
A última carta. Em 1891, um ano após o suicídio do pintor, Armand Roulin encontra essa carta que nunca chegou a ser enviada para Theo. Ele conversa com o pai, carteiro e amigo de Vincent, que o aconselha a entregar pessoalmente a correspondência. Em Arles, Armand tenta localizar Theo e, para isso, faz uma enquete. Conhece pessoas que o direcionam em sua busca. Ao mesmo tempo, dão testemunhos, à maneira de um documentário. Não se trata, portanto, de uma animação convencional. E, menos ainda, porque as imagens foram originalmente captadas em live action, com os atores servindo de modelos e, sobre elas, a dupla de diretor imprimiu as pinceladas de Van Gogh.
Houve um minucioso trabalho de pesquisa e as cerca de 400 telas que Van Gogh pintou, energicamente, em seus últimos anos, não apenas serviram de modelo como foram recriadas. O objetivo último foi chegar a esse dia fatídico. Dorota e Welchman assumem o que para eles é um mistério – Vincent realmente matou-se? E por que? Um total de 125 pintores trabalhou na captação das imagens, produzindo 65 mil frames. Os atores são facilmente identificáveis, desde Saoirse Ronan, que este ano se antecipa como favorita para o Oscar por Lady Bird – É Hora de Voar, até Jerome Flynn, o Bronn da cultuada série Game of Thrones. O longa de Greta Gerwig, a atriz de Frances Ha, acaba de ser eleito (na quinta, 30) o melhor do ano pela crítica de Nova York e, antes disso, na quarta, já havia feito história ao ser o primeiro – único? – a conseguir 100% de aprovação no site Rotten Tomatoes.
Graduada na Academia de Artes de Varsóvia, a codiretora Dorota Kobiela recebeu por quatro anos consecutivos o prêmio do Ministério da Cultura de seu país por suas pesquisas na artes de pintura e artes gráficas. Partiu dela essa ideia maluca de fazer um filme todo pintado a mão e inspirado no universo de Van Gogh. Isso foi há mais ou menos dez anos e há cinco, como o projeto não andava, Dorota uniu-se ao britânico Hugh Welchman, que já havia recebido o Oscar de animação pelo curta Pedro e o Lobo. Em 2012, já parceiros, fizeram uma espécie de trailer conceitual. Queriam saber se a técnica que queriam empregar ia funcionar, principalmente no que se refere à interpretação dos atores.
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Como Welchman explicou à revista Variety: “Toda a filosofia de Van Gogh em seus retratos baseia-se no seu desejo de sentir a alma de quem estava sendo retratado. Van Gogh nunca pretendeu usar técnicas fotográficas. A ‘verdade’, segundo ele, tinha de emergir através do ‘impasto’ e do seu manifesto de cores”.
Em plena era da internet, um admirador na Itália colocou o trailer no Facebook e, em 24 horas, há havia 2 milhões de views. Em três meses, 300 milhões. As coisas se aceleraram e Welchman contou à Variety que a consequência foi que 4 mil pintores de todo o mundo se habilitaram para trabalhar no projeto e, desse total, terminaram saindo os cento e poucos escolhidos.
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Justamente o ‘impasto’. A pintura de Van Gogh é dramática, subjetiva. O que ele queria, e deixou registrado em cartas ao irmão, era “expressar os sentimentos humanos” por meio de quadros que consolassem as pessoas pelo que considerava as misérias da vida – era um deprimido crônico. Para atingir seu objetivo, utilizava o óleo, cores intensas, que misturava em pasta grossa, e técnica incisiva, até violenta, com frequência substituindo o pincel pela espátula. Dorota e Welchman basearam-se no que dizia o próprio Van Gogh – “Só se pode conhecer um pintor por seus quadros”.
Esse foi o conceito, e o farol, mas, para decifrar o mistério Van Gogh, apoiam-se em outro clássico, e agora do próprio cinema. Adotam um estrutura multifacetada, à Cidadão Kane, montada a partir de diferentes pontos de vista. O resultado, a bem da verdade, não chega a funcionar 100% do ponto de vista dramatúrgico, mas, a essa altura, o espectador já foi fisgado pelo visual, impressionando-se com a beleza da Noite Estrelada e o caráter premonitório dos ciprestes e corvos. Vale a pena viajar na espessura dramática dessas imagens.
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