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Em filme sobre Sissi, imperatriz da Áustria, diretora busca uma mulher mais real

Em ‘Corsage’, papel que deu fama a Romy Schneider é vivido de forma ‘mais atual’ pela atriz Vicky Krieps

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Quem viu o trailer de Corsage, filme que já está em cartaz, por certo se impressionou com as cenas da imperatriz Elizabeth pedindo à aia que aperte cada vez mais o espartilho. Elizabeth, que sempre foi reconhecida pela beleza, está chegando aos 40 anos. Para os padrões de seu tempo está velha, mas ela insiste em se manter jovem aos olhos de seus súditos. Manter a cintura fina faz parte desse esforço. Numa conversa por telefone com a diretora Marie Kreutzer, o repórter lembra o começo do clássico ...E o Vento Levou, quando Vivien Leigh, como Scarlett, preparando-se para o baile, também pede a Mammy/Hattie McDaniels que aperte mais e mais o espartilho, para destacar a silhueta.

“É verdade? Conheço o filme, mas não me lembro da cena, e de maneira nenhuma foi uma referência para mim. Vou até conferir.” Marie Kreutzer conta que nunca havia pensado em biografar a princesa da Baviera e imperatriz da Áustria, embora habite em Viena, não muito longe do museu que abriga seu legado. A ideia partiu da atriz Vicky Krieps. “Comecei a pesquisar e terminei desconstruindo os clichês associados à figura. Descobri uma mulher interessante e adiante do seu tempo, de acordo com o approach de outros filmes meus, especialmente O Chão Sob Meus Pés, de 2018″, diz a atriz.

Cena de ‘Corsage’, com Vicky Krieps: fugindo do modelo em que a mulher ‘é criada para ser bonita’. Foto: Robert M Brandstaetter

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E Marie prossegue: “O que mais me impressionou nela foi a rebeldia. Elizabeth, conhecida de seus súditos e familiares como Sissi, enfrentou o que talvez tenha sido uma crise dos 30 anos. Passou a viajar muito, praticava esportes, recusava-se a comer para manter-se esbelta e fumava em público, o que era tudo muito ousado, ainda mais para uma monarca reinante. Estou convencida de que detestava ser rainha e, por isso, testava os limites não apenas do reino, mas dela própria. Descobri esse viés, digamos, moderno, que a tornou muito mais interessante. Vicky tinha razão. O filme tornou-se uma necessidade para mim”.

A diretora prossegue: “Passado todo esse tempo, nós, mulheres, ainda somos, massivamente, criadas para ser bonitas e agradar, sendo avaliadas mais pela aparência e pelo comportamento do que por qualidades mais intrínsecas”.

A par de sua colaboração com Marie, Vicky Krieps tem participado de filmes importantes de outros (grandes) autores. Fez Trama Fantasma com Paul Thomas Anderson e A Ilha de Bergman com Mia Hansen-Love. “Vicky é uma pessoa muito ativa, muito física, mas ela seria a primeira a lhe contar que esse filme lhe exigiu mais preparação do que qualquer outro. Teve aulas de equitação, de etiqueta, seguiu uma alimentação estrita.”

O repórter observa que, por maior que tenha sido o esforço, há que reconhecer - Vicky está ótima. É o filme mais belo, visualmente, de Marie. Todo aquele cuidado com as roupas, os ambientes. “Na verdade, não nos escravizamos ao padrão do filme de época. Só um vestido foi recriado com todos os detalhes, aquele que imortalizou Sissi na pintura famosa, seu retrato oficial, por Franz Xavier Winterhalt.”

Filme com Romy Schneider teve filas para ver uma história açucarada

Embora a história seja conhecida, vale repetir. Romy Schneider recebeu o telefonema do grande diretor Luchino Visconti. Ele teria dito: “Tenho um papel que você fará muito bem no meu próximo filme”. Ela teria retrucado: “Mais uma prostituta?”. Não, a imperatriz Elizabeth da Áustria, mais conhecida como Sissi. O filme era Ludwig, A Paixão de Um Rei, de 1973, com Helmut Berger no papel-título. Elizabeth, prima de Ludwig, conhecia o tormento interior do rei melhor que ninguém. Ela própria viveu sempre em choque com a investidura como imperatriz.

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Romy Schneider, em 'Sissi a Imperatriz'. Foto: Erma-Film

Romy tinha 17 anos quando Ernest Marischka a chamou para o papel de Sissi. Romy assinou para uma trilogia e realmente fez os três filmes - Sissi, Sissi A Imperatriz e Sissi e Seu Destino. Marischka não era historiador e tomou todas as liberdades, a começar pelo nome. Elizabeth era conhecida como Sisi, não Sissi. Chamada à corte de Viena para o noivado do imperador Francisco José com sua irmã, roubou-lhe o coração. Houve uma troca. Casaram-se, mas Sisi, ou Sissi, era rebelde por natureza. Não se enquadrava nas exigências da corte.

O sucesso foi imenso. No Brasil, onde a trilogia foi lançada pela Condor Filmes, o público fazia filas para assistir à história açucarada. Romy ficou marcada pela personagem. Visconti a ajudou a desvencilhar-se dela. Deu-lhe o papel da aristocrata Pupe/Boneca, que se prostitui para o próprio marido, cobrando dele para fazer sexo no episódio O Trabalho, de Boccaccio 70. No teatro, em Paris, Visconti também reuniu o jovem casal - Romy teve aquele tórrido affair com Alain Delon - numa montagem de Pena Que Ela Seja Uma P..., do dramaturgo John Ford.

Gloriosa

Quando a chamou para refazer Sisi em Ludwig, Visconti não estava interessado nos clichês sobre Elizabeth. Queria revertê-los em seu favor. O filme é sobre a herança maldita dos Habsburgos. Como dizia Visconti, “prefiro narrar as derrotas, descrever as almas solitárias. Interessam-me os personagens cuja história conheço bem.” Ludwig e Sissi são figuras trágicas para ele. Romy está gloriosa. Marie Kreutzer vê a personagem por outro ângulo. Elizabeth, como uma mulher moderna. A quebra de confiança. Essa é a tragédia em Corsage.

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