Pedro Freire chegou para a entrevista com o Estadão rouco, quase sem voz. E não era sem motivo: o cineasta, já em seu primeiro longa-metragem, Malu, saiu premiadíssimo no Festival do Rio dias antes, com quatro troféus (um deles, de melhor filme de ficção, que dividiu com Redentor). O filme estreou nos cinemas na última quinta-feira, 31, mais encorpado, com esse bom caminho por festivais, inclusive internacionais. Tudo para falar sobre as memórias e sentimentos de Pedro com seu passado – familiar, materno, pessoal.
Afinal, a história do longa-metragem é muito inspirada na vida do próprio cineasta. Filho dos atores Malu Rocha e Herson Capri, ele decidiu colocar nas telonas – e no divã – boa parte do que lembra dessa relação com a mãe, que morreu em 2013, aos 65 anos, por complicações de uma doença que atinge os nervos. “Foi muito difícil encontrar o roteiro”, conta o cineasta de 43 anos. “Eu escrevia em um café aqui perto e não parava de chorar. As pessoas me olhavam.”
Freire conta que foram dez tratamentos de roteiro e alguns bons anos até encontrar o ponto central da história. O que vemos na tela é Malu (Yara de Novaes), uma mulher que vive olhando para seu passado como artista e que sonha em transformar parte de seu barraco, em uma favela, em um espaço teatral. Na intimidade, porém, tudo é violência: seja na forma que trata a mãe (Juliana Carneiro da Cunha) ou até mesmo a sua filha (Carol Duarte).
“A primeira coisa que eu fiz foi botar tudo no papel. Eu escrevi muitas ideias, muitas coisas que aconteceram, descrevi muitas coisas que aconteceram comigo e as mais traumatizantes e as mais felizes também. Meu olhar tanto amoroso quanto rancoroso da minha mãe. Botei tudo no papel, sem medo de ser feliz”, explica. “Em um segundo momento, cortei o que fosse mais interessante para mim e para a minha psicanalista do que para vocês como público, sabe? E aí isso foi muito essencial, foi um clique, para achar a trama.”
Ciclos de violência
No âmago de Malu, assim, encontramos um filme sobre ciclos sem fim de violências. Lili, a avó, sofreu violências e abusos de todos os lados, reproduzindo muito disso para a filha – é natural para ela, por exemplo, chamar Malu de feia. Malu, enquanto isso, reage ao mundo com mais violência, seja partindo para cima ou até diminuindo a filha interpretada por Carol Duarte. Afinal, em um mundo que só há violência, mais disso é repetido, em um ciclo sem fim.
“Descobri essa narrativa com muita psicanálise”, conta Pedro. “Tanto lendo Freud e Winnicott, quanto nas sessões com a minha psicanalista. Contei pra ela a história do filme, ela leu o roteiro, ela assistiu ao primeiro corte. A minha psicanalista foi muito importante nessa relação com esse filme. Com a ajuda da psicanálise, e sem perceber de cara, fui me dando conta que eu estava fazendo, na verdade, um filme sobre traumas intergeracionais.”
Ao lançar Malu, Pedro não está apenas expondo ideias, mas também histórias pessoais e sentimentos. Ele conta que, quando o filme foi exibido em Sundance, entendeu o propósito dessa história – em meio a muitas lágrimas. “Entendi que não era um filme para mim, para eu resolver meus traumas. Isso talvez seja consequência do todo, mas não era isso”, diz. “Era um filme sobre minha mãe, sobre esses traumas. Eu precisava contar uma boa história”.
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