Com Assassinato no Expresso do Oriente (2017), Kenneth Branagh trouxe de volta as adaptações da obra da escritora Agatha Christie, populares principalmente até os anos 1970. Foi um sucesso. O orçamento mediano de US$ 55 milhões (cerca de R$ 290 milhões) resultou em uma bilheteria mundial seis vezes maior, de US$ 352 milhões (ou R$ 1,8 bilhão). Ele está de volta com Morte no Nilo, que chega hoje aos cinemas, novamente apostando em um cenário exótico – um navio em cruzeiro pelo Egito – e em um elenco de estrelas encabeçado por Gal Gadot, além, claro, do bigode do detetive Hercule Poirot. “É como se fosse uma máscara, ele pode se esconder atrás do bigode”, disse Branagh em entrevista com a participação do Estadão.
Para ele, é fácil entender o apelo da escritora, 131 anos após seu nascimento e 46 depois de sua morte. “Eu acho que a Agatha Christie se conectou com algo que era muito reconhecível para seus leitores, uma dinâmica humana com a qual eles se identificavam. No caso deste livro em particular, eu acho que ela pode ter tido uma conexão bastante pessoal e dolorosa. Ela teve um primeiro casamento atribulado, que terminou de maneira difícil, e deu indicações de que Morte no Nilo pode ter sido influenciado por essa experiência.” Na história, Gadot é a herdeira Linnet Ridgeway, que se casa com Simon Doyle (Armie Hammer), ex de sua melhor amiga, Jacqueline de Bellefort (Emma Mackey). Jacqueline, como é de esperar, não leva muito numa boa a notícia. A lua de mel é passada a bordo do luxuoso iate Karnak, que atravessa o Nilo. Poirot está a bordo, assim como seu assistente, Bouc (Tom Bateman), e a mãe deste, Euphemia Bouc (Annette Bening, em um papel criado especialmente para o filme pelo roteirista Michael Green). Também estão no barco o primo de Linnet, Andrew Katchadourian (Ali Fazal), e a assistente dela, Louise Bourget (Rose Leslie), além da cantora Salome Otterbourne (Sophie Okonedo) e sua sobrinha Rosalie (Letitia Wright). A viagem é interrompida pelo assassinato de Linnet, investigado por Poirot. Obviamente, todos ali são suspeitos. “É uma história sobre amor obsessivo e desejo”, disse Branagh. Branagh acha que o público vai se identificar com as relações complicadas em torno de Linnet Ridgeway. “Ela é uma daquelas pessoas que parecem ter tudo. Tem juventude, beleza, dinheiro, possibilidade de viajar, saúde. E às vezes é da natureza humana achar um pouco difícil gostar de gente assim”, disse o diretor.
A história se passa em 1937, mas Branagh tentou não ficar preso às convenções da época. “Nunca tive interesse em produzir algo que sugira exclusividade. Não acho interessante passar a ideia de que dinheiro e coisas materiais são de suprema importância. Então, quando levamos nosso público a um trem de luxo ou a um país maravilhoso como o Egito, tentamos fazer com um senso de generosidade. Não queria recriar as estruturas sociais de 1937, mas também não dá para ignorar completamente.” A questão de classe, por exemplo, está presente na relação entre Linnet e Louise. “A minha personagem gosta de estar nesse ambiente, mas ao mesmo tempo alimenta o ressentimento de não ter feito várias coisas, inclusive se casar, para poder servir Linnet, que muitas vezes faz questão de lembrar Louise que é sua patroa”, disse Rose Leslie em entrevista com participação do Estadão. O romance policial havia sido adaptado em 1978, com um elenco de sonhos que incluía Peter Ustinov no papel de Poirot, Bette Davis, Angela Lansbury, David Niven, Maggie Smith, Mia Farrow e Jane Birkin. Esta versão aposta na grandiosidade, tendo sido rodado em 65mm, em um estúdio na Inglaterra. Ou seja, as paisagens são CGI, mas o barco, não. “Era muito incrível estar nesse barco em tamanho real, cheio de detalhes, até mesmo nos menores aposentos. Ao pisar ali, eu sentia como se estivesse na década de 1930”, contou Leslie, conhecida por suas participações em Downton Abbey e Game of Thrones. Para o diretor, o filme é uma chance de escapada para quem está sem viajar há tempos. “É como se fossem férias luxuosas”, disse ele. “Procuramos oferecer uma experiência imersiva.
Branagh falou tudo isso em agosto de 2020, quando o filme estava perto de ser lançado. Normalmente, uma sequência de uma produção de sucesso não estreia cinco anos após o original, ainda mais quando o orçamento não chega a ser espetacular. Mas, primeiro, a filmagem foi atrasada por causa dos compromissos de Kenneth Branagh com Artemis Fowl. Depois, houve a aquisição da Fox, estúdio que produziu Morte no Nilo, pela Disney, o que colocou vários longas no limbo. Em seguida, a pandemia empurrou todos os lançamentos de cinema para a frente. E, para completar, houve as polêmicas com os atores. Letitia Wright foi criticada por parecer ser antivacina, o que ela negou. E Armie Hammer foi acusado de abuso sexual e de praticar canibalismo, o que ele também negou. Os dois foram praticamente retirados dos materiais promocionais, mas aparentemente suas participações no filme não foram cortadas nem reduzidas.
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