Em determinado momento do documentário A Música de John Williams, o cantor Chris Martin, da banda Coldplay, diz que o maestro americano é o “maior popstar de todos”. Pouco depois, o diretor J.J. Abrams o compara aos Beatles – e após assistir ao novo lançamento do streaming Disney+, disponível na plataforma desde sexta-feira, 1º, fica difícil discordar dessas afirmações.
Aos 92 anos, John Williams habita em uma esfera mitológica de Hollywood. Compositor das trilhas sonoras mais emblemáticas da sétima arte, ele se tornou a segunda pessoa com mais indicações ao Oscar – são 54, tendo vencido o prêmio cinco vezes – atrás apenas de Walt Disney.
O filme de 1h45 chega ao público no período mais efervescente de campanhas para a estatueta dourada e com chances de ser indicado na categoria documental. A responsabilidade de detalhar a vida e obra do astro ficou nas mãos do diretor francês Laurent Bouzereau.
“Crescendo nos anos 70, eu mal podia esperar para comprar o novo álbum com a trilha do John. E muitas vezes eu ainda não tinha visto os filmes porque eles chegavam sete meses depois. Então, eu descobria todos aqueles filmes através da música do John. De Inferno na Torre (1974), a Tubarão (1975), Star Wars (1977) e Superman (1978), todas essas são as trilhas sonoras da minha vida”, diz o cineasta de 62 anos ao Estadão, por videoconferência.
O longa-metragem remonta a trajetória de Williams de maneira tradicional e elegante, com o triunfo de ter o próprio, em carne e osso, sentado ao piano enquanto relembra algumas anedotas. Ele foi criado no seio de uma família de músicos e desde criança descobriu a vocação para ser pianista de jazz. Foi atraído ao cinema pelas trilhas de Leonard Bernstein, especialmente a de Sindicato de Ladrões (1954). No começo da carreira, trabalhou como músico de estúdio em trilhas dos regentes Alfred Newman e Henry Mancini. Seu primeiro tema de destaque como compositor foi o da série Perdidos no Espaço (1965-1968).
O fator Spielberg
Mas a vida do jovem Johnny, como era conhecido nos anos 1960, quando sua aparência lembrava Shakespeare, mudou de vez quando ele conheceu outro rapaz ambicioso, Steven Spielberg, com quem formou uma das parcerias mais frutíferas e duradouras da história da cultura popular, eternizada nas décadas seguintes em clássicos como Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977), Os Caçadores da Arca Perdida (1981), E.T. – O Extraterrestre (1982), A Lista de Schindler (1993), O Resgate do Soldado Ryan (1998), entre outros.
“A produção cinematográfica é uma forma de arte colaborativa, e acho que é muito desafiador encontrar parceiros para contar suas histórias como cineasta. O que torna Steven e John únicos é que ambos têm um tremendo respeito pela história da música e pela história do cinema”, explica Bouzereau. “John também era como se fosse o redator final do projeto. Com sua música, ele completava o filme de Steven”, acrescenta.
Foi Spielberg quem convenceu Williams a aceitar o convite de George Lucas para criar a música de Star Wars. O fato de cada personagem da saga ter um tema específico motivou o maestro, figura fundamental na popularização da ópera espacial. A trilha sonora do primeiro filme foi eleita pelo American Film Institute (AFI) a mais memorável de todos os tempos. Seu lançamento em vinil foi a maior venda do gênero que se tem notícia, com mais de dois milhões de cópias vendidas.
Williams sofreu muito com a morte da mulher, quando ele tinha 41 anos, e ficou viúvo com três filhos para criar. No entanto, encontrou refúgio no trabalho. Suas composições e eventuais apresentações ao vivo lhe mantêm ativo até hoje. Uma das revelações mais curiosas do regente é que ele topou fazer muitas continuações de franquias (Indiana Jones, Harry Potter ou Esqueceram de Mim) por ciúmes, já que tinha receio de outro compositor assumir as rédeas e desvirtuar a identidade da obra.
‘A música está morrendo’
Outra passagem marcante da película é quando o maestro opina sobre o futuro da música, o qual ele vislumbra com pessimismo. “A música está morrendo”, diz, ao abordar a excessiva presença da tecnologia na produção atual.
“O que é único sobre John é que ele é curioso, um eterno estudante. Muitos jovens, infelizmente, estão tão acostumados com o deslizar de um dedo no celular que não dedicam o tempo necessário para estudar e ser inspirado. Espero que esse filme mostre que ser curioso e olhar para trás, para os ‘pais fundadores’, pode levar à grandeza”, opina o documentarista, também conhecido pelo trabalho na série Cinco que Voltaram (2017), acerca da 2ª Guerra Mundial.
A Música de John Williams celebra a magia de um artista de talento inigualável, que compunha para qualquer gênero sempre com o mesmo brilho. Das profundezas oceânicas ao céu estrelado, da luz sobre os dinossauros à escuridão sob os horrores do Holocausto, este homem concebeu sinfonias maiores que a vida.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.