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‘Estômago 2′: Filme feito para ‘desconcertar’ tem Nonato entre a cadeia e o mundo da máfia italiana

Continuação do filme de 2007 com João Miguel no papel do chef-prisioneiro chega aos cinemas nesta quinta, 29; diretor, roteirista e atores Nicola Siri e Paulo Miklos comentam desafios, críticas e bastidores da produção

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Foto do author Julia Queiroz
Atualização:

Dezesseis anos depois de parar na prisão graças a uma das grandes reviravoltas do cinema brasileiro, Raimundo Nonato, o personagem eternizado pelo ator João Miguel, retorna como o chef requisitado da cadeia onde segue encarcerado em Estômago 2 - O Poderoso Chef. A sequência do filme de 2007 chega aos cinemas nesta quinta-feira, 29.

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No longa original, Nonato é um nordestino que se muda para a cidade grande e se descobre um ótimo cozinheiro. Em duas linhas do tempo intercaladas, o espectador acompanha como o protagonista foi parar na cadeira e como ele se vira naquele ambiente opressivo do sistema prisional. Em 2015, a produção foi eleita um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos pela Abraccine, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema.

Agora, Nonato (ou Alecrim, como foi apelidado na cadeia) segue preso, mas tornou-se o principal cozinheiro do lugar. O ator e músico Paulo Miklos, que fez uma pequena participação no original, é Etecétera, o líder dos detentos, até que a chegada do mafioso italiano Dom Caroglio (Nicola Siri) ameaça a hierarquia de controle. Aqui, também, uma outra linha do tempo explica como Caroglio foi parar em uma prisão brasileira.

“A intenção era fazer uma sequência, mas, ao mesmo tempo, ter um aspecto antológico na franquia Estômago”, diz o diretor Marcos Jorge. “Pensei: ‘vou fazer uma sequência, mas quero desconcertar as pessoas. Não vou fazer de novo o primeiro filme’. Não queria repetir e não queria celebrar o primeiro.”

Quando o filme estreou no Festival de Cinema de Gramado, no início de agosto, o clima parecia ser de desconfiança. As primeiras críticas não foram muito favoráveis e o resultado da campanha era incerto. Lusa Silvestre, colunista do Estadão e roteirista do filme ao lado de Marcos Jorge e Bernardo Rennó, diz que o longa de fato enfrentou desafios, sendo o principal deles a necessidade de reescrever parte do roteiro por conta de “limitações do filme.”

Mesmo com obstáculos, ele diz, Estômago 2 foi feito em escala muito maior quando comparado ao primeiro: “Tínhamos mais dinheiro, é mais ambicioso. O filme está de pé porque é legal e as pessoas que gostam dele gostam muito”, afirma Silvestre. A aposta se confirmou. Estômago 2 foi o filme mais premiado desta edição do Festival de Gramado.

Foram cinco Kikitos: roteiro (Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Bernardo Rennó), direção de arte (Fabíola Bonofiglio e Massimo Santomarco), trilha musical (Giovanni Venosta), ator (dividido entre João Miguel e Nicola Siri) e o prêmio do Júri Popular, talvez o mais importante deles, ao menos para o diretor, que fez sua estreia no cinema com o Estômago original.

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João Miguel volta como o chef-prisioneiro Raimundo Nonato em 'Estômago 2 - O Poderoso Chef'. Foto: Paris Filmes/Divulgação

“As críticas surgiram de uma velha guarda da crítica brasileira, de pessoas que queriam o primeiro filme” afirma Jorge. “No decorrer da semana, foram [os mais jovens] que viraram o jogo para o filme. O que me interessa é me comunicar com eles. Quero ser amplo, me comunicar com todo mundo. Mas eu não faço filmes para crítica. Faço filmes para o público que vai ao cinema.”

Parte das críticas citava a participação menor de João Miguel no longa em comparação com o filme de 2007, no qual o ator foi protagonista absoluto e cujo trabalho ajudou a consolidá-lo no mercado nacional. Uma coprodução com a Itália (assim como o original, vale dizer), Estômago 2 é bem mais internacional - e mais da metade falado em italiano. O Dom Caroglio de Nicola Siri, ator ítalo-brasileiro que ficou conhecido pela novela Mulheres Apaixonadas (2003), ganha o protagonismo.

Em Gramado, Siri subiu ao palco sozinho para receber o prêmio que dividiu com João Miguel. O ator não foi ao festival nem participou da divulgação do longa por “motivo de força maior”, como reforça Jorge ao Estadão. Chegaram a dizer, nos bastidores do evento gaúcho, que João Miguel não teria gostado do filme, ou de ter um papel menor. A produção do filme nega. “Ele está feliz, é sócio do filme e é claro que está torcendo por ele”, diz o diretor.

“O João Miguel é um monstro da arte”, elogia Siri. “Eu mandei um recado ontem, ele parabenizou demais. Eu falei ‘é nóis’, ele mandou corações”. Silvestre também faz elogios: “É o ator mais espiritual que eu já vi na vida. Ele, sendo esse ator espetacular, força o roteirista a escrever um filme e um personagem à altura dele.” João Miguel, a cara de Estômago, fez ainda filmes como Cinema, Aspirinas e Urubus, teatro e produções na TV - de Carandiru - Outras Histórias ao cômico A Grande Família.

O João Miguel é um cara super importante para o cinema nacional. Evidentemente que, se não fosse o João, principalmente no primeiro filme, não teríamos um filme tão bom. É um casamento entre o personagem e nós como roteiristas.

Lusa Silvestre

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Já Miklos lembra que, no filme de 2007, passou apenas dois dias - “marcantes”, como descreve - no set de filmagens. Agora, já bem mais consolidado na carreira de ator, ele assume um papel importante na pele de Etecétera, um encarcerado casca grossa que se recusa a deixar um italiano assumir o controle da prisão onde vive há anos.

“Foi muito gostoso reencontrar essa turma e agora nós virarmos um time mesmo. E o João Miguel, ele tem esse personagem tão definido do Nonato que parece que ele está como um pêndulo entre os nossos [Etecétera e Dom Caroglio]”, diz. “Eu senti isso em cena, porque ele é tão íntegro, o personagem é tão cristalino nele que a gente pode ficar à volta dele, brigar e fazer tudo acontecer, mas ele parece uma rocha. Isso é uma garantia quando você faz um trabalho assim.”

Paulo Miklos (Etecetéra) e Nicola Siri (Dom Caroglio) em 'Estômago 2 - O Poderoso Chef'. Ao fundo, João Miguel (Nonato). Foto: Paris Filmes/Divulgação

Siri, que não estava no longa original, também se diz grato por juntar-se ao projeto: “Eu, logicamente, era fã de Estômago. Para mim, foi o máximo poder participar de um filme icônico, um dos maiores filmes da história do cinema brasileiro - e não só brasileiro, mas do mundo - e trazer essa máfia, essa italianidade.”

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Italianidade, aliás, que era importante desde o início do projeto, dizem Jorge e Silvestre. A relação da equipe com o país já é antiga: o diretor morou por mais de uma década na Itália e o roteirista tem raízes e parentes italianos. Siri é filho de pai italiano e mãe brasileira e divide a vida e a carreira entre os dois países.

“O primeiro já tem uma coprodução italiana minoritária, mas é aquela famosa coprodução estrangeira minoritária que a gente faz no cinema brasileiro. Você coloca um pouco de dinheiro, nós finalizamos lá e o filme é binacional. Mas percebemos que isso não é muito saudável para o cinema nacional, porque você cede direitos de mercados para seu filme por pouco dinheiro”, explica Jorge.

Desta vez, a ideia era diferente: fazer uma coprodução realmente dividida financeira e culturalmente entre Brasil e Itália. “Não basta colocar o selo, ‘sou italiano, sou dono do filme’. Não, tem que colocar dinheiro. Então, tínhamos esse projeto: vamos fazer um filme que vai ser maior do que poderíamos fazer no Brasil”, diz o diretor. Segundo ele, toda a equipe, produção e atores italianos foram pagos pela Itália.

Silvestre conta que a parte italiana foi a que mais precisou de mudanças de roteiro, mas reforça que o plano sempre foi que ela representasse ao menos metade do filme. A inserção da máfia, tema do cinema italiano há décadas, foi fator importante para essa construção e para que a trama ainda pudesse conversar com o filme original: “Quando você vai estudar a máfia, descobre que comer para eles é um efeito sagrado. Nós achávamos que isso poderia render boas histórias e realmente rendeu.”

Outra coisa importante para a produção era ter uma figura feminina forte na sequência, que se apresenta na personagem Valentina (vivida pela italiana Violante Placido), filha de um importante mafioso e interesse amoroso de Dom Caroglio antes de chegar ao Brasil. “Isso sempre foi uma das fortalezas do roteiro, mesmo na primeira versão”, afirma o roteirista.

A italiana Violante Placido (Valentina) e p ítalo brasileiro Nicola Siri (Dom Caroglio) em 'Estômago 2 - O Poderoso Chef'. Foto: Paris Filmes/Divulgação

Ver o filme finalmente chegar às telonas é como “ver um filho querido ir morar no exterior”, brinca Silvestre. Já Jorge diz que uma das melhores sensações de um diretor é ver o filme sair do papel - primeiro no set e, depois, no cinema: “Eu adoro essa sensação de perder o controle dos meus personagens, perder o controle dos meus filmes. E busquei justamente isso nesse segundo”.

Franquia ‘Estômago’

Ambos não negam que há ideias para novos filmes: “Comida e poder sempre vão gerar muitas histórias boas. Temos um corredor muito rico caso a gente queira continuar”, afirma Silvestre. E, nesse caso, Jorge diz que, mais uma vez, não fará mais do mesmo: “Eu quero fazer coisas que surpreendam as pessoas e levá-las para lugares onde elas ainda não foram”.

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“Se eu quisesse o sucesso comercial, eu faria comédias comerciais. Eu quero colocar um sorriso no rosto [das pessoas] e fazer você pensar no filme depois que for para casa. São os meus dois objetivos. Se eu conseguir isso, já estou muito satisfeito”, completa o diretor.

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