Antonio Carlos da Fontoura admite que esperava pelo menos 200 mil espectadores para O Gatão de Meia-Idade, mas no atual quadro das bilheterias do cinema brasileiro, acha que deveria estar abrindo um champanhe para festejar os 80 mil que a comédia adaptada das tiras de Miguel Paiva teve nos cinemas. Ele bate duro na Globo - diz que hoje em dia, no Brasil, só andam bem de bilheteria os filmes nos quais a Globo Filmes é parceira. São os que recebem tratamento VIP na emissora, não apenas mídia direta, mas também a indireta. "São 100 mil espectadores cada vez que o Faustão ou um personagem diz numa novela que vão ver o filme tal." Com o Gatão, Fontoura teve só o plano B. A Globo coloca anúncios de 30 segundos em cinco capitais, mas cobra essa mídia em participação nas rendas e direitos de exibição. Não compensa. Por isso, ele está rejeitando o plano B para o lançamento de No Meio da Rua, seu novo filme, que estréia nesta sexta-feira em São Paulo. É duplamente arriscado, até porque O Gatão foi um projeto de encomenda (no qual Fontoura se empenhou, é verdade) e No Meio da Rua é o filme que quis fazer. Carregou-o durante 20 anos. "Sua origem está num fato da infância do meu filho. Um dia me ligaram para dizer que o Daniel estava vendendo balas no semáforo." De lá para cá, a paisagem dos semáforos brasileiros, de Norte a Sul, ficou cada vez mais cheia de meninos e meninas que fazem malabarismos ou vendem não importa o quê. O brasileiro, por insegurança ou indiferença, fecha o vidro e nem olha mais ou, se olha, vê através dessas crianças, que se tornam invisíveis. Fontoura fez No Meio da Rua para lhes dar visibilidade. Foi assim que surgiu a história de Leonardo e da irmã, que vivem acompanhados pelo motorista da família. Num semáforo, Leonardo conhece Kiko, garoto pobre, negro, a quem dá seu game. Quando recebe uma bronca da mãe, em casa, ele parte em busca do game e isso significa adentrar na favela. Diretor de grandes filmes do cinema brasileiro por volta de 1970 - Copacabana me Engana e A Rainha Diaba -, a carreira de Fontoura foi marcada, depois, pela atividade na Globo, em séries como Ciranda Cirandinha, Plantão Médico e Você Decide. Durante 14 anos, de 1984 a 98, ele fez só televisão. O jejum de cinema foi encerrado por um filme no qual depositava fé, mas o desempenho de Uma Aventura de Zico foi decepcionante. Seguiram-se mais oito anos e, agora, Fontoura ressurge, em menos de dois meses, com dois filmes - O Gatão e No Meio da Rua. Ele sabe que se arrisca a receber críticas duras - "Não quis fazer outro Cidade de Deus, mas contar essa história, quase uma fábula, sobre duas crianças que não têm tempo de brincar, uma porque é muito rica, outra porque é muito pobre." Situações e personagens vão sendo construídos de forma simples e direta, numa linguagem que talvez evoque a da TV. Fontoura filmou com câmera na mão, em super-16. "A TV me deu muita mobilidade", avalia. A dificuldade de captação para finalizar fez com que o filme, rodado antes, terminasse estreando depois do Gatão. No Meio da Rua é sobre a barreira invisível que divide o País, mas com outro enfoque. Estão longe as ousadias da Diaba - Fontoura concentra-se no elenco infantil, quase todo negro, que é a alma do trabalho. "É um filme sensível", define. Não terá uma grande mídia e, por isso, vai depender do boca-a-boca para funcionar. Fontoura gostaria muito, pelo tema, pelas crianças, que funcionasse. Seu próximo projeto, Alma, é um romance que ele pretende primeiro editar e, depois, filmar. Outros projetos são um retorno à Rainha Diaba e uma comédia de humor negro, Hospital Brasil, sobre a falência do sistema de saúde no País. No Meio da Rua. (Br/2006, 89 min.) - Aventura. Dir. Antônio Carlos da Fontoura. 10 anos.
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