Mia (Sophie Wilde) não está bem. Ela acabou de perder a mãe, a relação com o pai não é das melhores e, agora, precisa lidar com a constante sensação de luto e solidão. A saída? Ficar com os amigos, principalmente com Jade (Alexandra Jensen), com quem passa um bom tempo na casa da família. Tudo vai bem até que elas se juntam com um grupo da escola para invocar espíritos. Obviamente, tudo dá errado e, com isso, temos a história de Fale Comigo, terror que estreia nesta quinta, 17, mas com sessões de pré-estreia desde o dia 10.
Dirigido por Danny e Michael Philippou, irmãos australianos que estreiam na direção de um longa e que são conhecidos principalmente pelo trabalho no YouTube, o longa-metragem é uma modernização do filme de possessão. Saem os tabuleiros ouija e entra, no lugar, uma mão mágica que transporta a pessoa que a toca para outro mundo. O mundo dos mortos. Sai também o padre exorcista, que seria o primeiro a ser chamado nesses casos, e entram as redes sociais. Quem observa tudo é a lente do celular. É a tecnologia que expia e abençoa.
A partir daí, Fale Comigo, do incensado estúdio A24, cria uma trama que parece misturar dois filmes recentes: Sorria e Morte. Morte. Morte. De um lado, há uma história envolvendo saúde mental e, mais especificamente, vício – difícil não traçar paralelos entre o que Mia e seus amigos estão vivendo em cena com a imagem que temos de adolescentes experimentando drogas e ficando viciados. O roteiro de Danny e Bill Hinzman, também estreante, se preocupa em criar esse subtexto sempre, permitindo uma dupla (até mesmo tripla) interpretação do filme.
Abaixo disso, ainda há um filme de terror convencional, onde podemos encontrar uma história de possessão demoníaca com adolescentes que não sabem brincar com os mortos.
Possessão filmada pelo celular
Além da metáfora sobre vício, luto e saúde mental, há um comentário interessante sobre a geração Z – aquela nascida entre a segunda metade da década de 1990 e o ano de 2010. A cineasta Halina Reijn já falou sobre esses jovens no slasher Morte. Morte. Morte., do ano passado, mas agora ganha um novo contexto com o terror de possessão. O contato com a morte gera engajamento e, por isso, acaba sendo divertido ir para o outro lado. Perde-se um pouco a questão da curiosidade, vista em Ouija e outros, e parte-se para a morbidez.
Os Philippou, que fazem seus conteúdos focados nessa geração, mostram uma inesperada negatividade – assim como o jovem canguru que aparece morto e estatelado no meio da estrada no início do filme, eles não veem futuro na juventude australiana. Interagem com o sobrenatural sem pensar no outro e, acima de tudo, sem pensar em si próprio. Se Fale Comigo tivesse explorado mais essa história mórbida em que a geração Z não se importa sequer com a vida do próximo, seria um filme ainda melhor.
Patacoada do ‘pós-terror’
Curiosamente, porém, os Philippou são sutis demais mesmo quando o filme exige um pouco mais da história. Bebendo da fonte do “pós-terror”, uma patacoada que nasceu com A Bruxa e que se trata de filmes considerados mais elevados por não ter jumpscares ou coisas do tipo, Fale Comigo evita alguns sustos mais diretos. Sugere mais do que mostra. Isso é eficaz na primeira metade, mas acaba perdendo muito de sua força no último ato. A sugestão dá medo até a página 2. Depois, é preciso saber administrar.
Talvez pela inexperiência da dupla, essa profundidade do terror perde um pouco de sua força – aliada a problemas narrativos em que ações descabidas são facilitadas como se nada fossem. Apesar disso, Fale Comigo assusta. De verdade. Além de ter alguns bons comentários da dupla, que se mostra mais reflexiva do que imaginamos em um primeiro momento, o longa-metragem é daquelas boas surpresas do horror em 2023, gênero que vem se superando ano a ano. Mostra que o gênero ainda tem fôlego de sobra.
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