Pela primeira vez em meia década, um ano se passou sem um novo filme de Star Wars, uma pausa planejada que coincidiu com a pandemia. Mas no YouTube há muitos filmes ambientados numa galáxia muito, muito distante: são filmes feitos por fãs. Em vez do título tão familiar e da trilha sonora da saga de ficção científica, suas obras geralmente começam com avisos afirmando que os direitos da história pertencem à Lucasfilm.
Esses filmes existem há quase tanto tempo quanto a própria franquia. Os primeiros exemplos foram paródias, como o curta Hardware Wars, de 1978, e uma sátira do programa Cops estrelando Stormtroopers chamada Troops, de 1997. A Lucasfilm realizou concursos anuais de filmes de fãs na década antes da aquisição da empresa pela Disney, em 2012. Mas a supervisão da Disney, juntamente com a ampla disponibilidade de ferramentas de cinema de alta qualidade, inaugurou uma nova era de criatividade dos fãs.
“A coisa está mais viva do que nunca, para dizer o mínimo”, disse o cineasta David Ortiz. “Temos todos esses filmes de fãs de alto orçamento, coisa que não existia há dez ou quinze anos, e as pessoas têm acesso mais fácil a coisas como VFX, modelagem 3D e Blender”, um software de animação digital gratuito. “Acho que agora, se alguém quer fazer um filme de fã, esta é a hora.”
Longe da estética das câmeras de vídeo amadoras de alguns esforços anteriores, as produções recentes variam da live action intrincadamente roteirizada aos curtas digitais feitos com trajes de captura de movimento. Às vezes, até meses de projetos apaixonados de profissionais da indústria, um número crescente de adereços, efeitos especiais e trilhas originais que se aproximam da qualidade do estúdio.
Alguns cineastas atribuem à Disney o aumento da audiência de suas homenagens. Uma análise do New York Times de quase 150 filmes de fãs no YouTube com pelo menos 100 mil visualizações descobriu que mais de 75% foram enviados nos seis anos que se passaram desde o trailer de estreia de O Despertar da Força, o primeiro capítulo da trilogia mais recente. E vários exemplos populares desenvolveram avidamente os personagens e a tradição dos novos filmes.
Mas outros se irritam com as escolhas narrativas da Disney. Alguns dão vida nova a personagens e enredos que o estúdio abandonou ou que remetem a uma era mais antiga dos filmes Star Wars. Num momento de grande empolgação e profunda desilusão com a franquia, esses trabalhos flexionaram os músculos do fandom num cabo de guerra criativo sobre a quem realmente manda na galáxia.
“Muita gente ficou muito decepcionada com alguns dos filmes” da trilogia da Disney, disse Jason Satterlund, roteirista e diretor profissional que em 2019 fez um curta-metragem live-action sobre Obi-Wan Kenobi ambientado durante o exílio do mestre Jedi no deserto do planeta Tatooine. “Queríamos recriar o amor que tínhamos quando vimos Uma Nova Esperança e O Império Contra-Ataca pela primeira vez”.
Satterlund caracterizou Kenobi, que tem mais de 5,7 milhões de visualizações no YouTube, como uma “oportunidade de resgatar” a franquia para fãs como ele. “George Lucas criou uma coisa pela qual nos apaixonamos tanto que não queremos que seja arruinada”, disse ele. “Se sentimos que alguém está violando esse universo, pode acontecer uma reação muito visceral. E acho que é isso que estamos vendo agora”.
Satterlund logo fez questão de acrescentar que seu curta não foi feito para atiçar “negatividade” em relação à Disney, nem contestar suas escolhas narrativas. Mas, nos vídeos de reação do YouTube e em outros lugares, o público não pode deixar de fazer comparações. “As pessoas disseram, em proporções esmagadoras: ‘Uau, faz muito, muito tempo que não sinto tanta emoção assim nesse universo’”.
Ortiz reconheceu que o entusiasmo por seu projeto, baseado numa história de 1996 que a Disney cancelou, veio, pelo menos em parte, de fãs desapontados. Ele disse que viu essas reações com cautela. “Não quero que ninguém bata na minha porta e diga: ‘Bom, agora você tem que parar com isso’. Porque dizem que, se você cutucar a Disney com muita força, eles vêm atrás de você.”
A Disney disse que vem encorajando a criatividade dos fãs e que recebe de bom grado as discordâncias sobre suas escolhas criativas. “Esta é uma das belezas de Star Wars, que desperta esse tipo de conversa e esse tipo de paixão”, disse a porta-voz da Lucasfilm, Lynne Hale, “e sempre recebemos bem o debate”.
Os fãs de filmes de outras franquias de fantasia também têm relacionamentos complexos com as empresas que as possuem, e os fãs de filmes de Star Wars caminham na corda bamba jurídica. A Disney pede que os filmes sejam marcados com clareza, que não levantem dinheiro por meio de crowdfunding, que omitam mídia protegida por direitos autorais e que não lucrem com a venda de ingressos ou anúncios on-line. A empresa não parece discriminar entre os filmes feitos por fãs profissionais e os feitos por amadores, desde que sigam suas regras. “Há um ponto em que você tem que proteger seus direitos autorais”, disse Hale.
As ambições da Disney de expandir ainda mais a franquia - uma série de novos títulos foi anunciada em dezembro - pode levar a mais diferenças criativas com seu público. Mas também há sinais de apreciação mútua. A empresa já confirmou os rumores de que desenvolveria uma série de streaming focada em Obi-Wan Kenobi. Satterlund disse esperar que o spinoff oficial explore um terreno temático semelhante ao de seu curta.
Ele disse que essa perspectiva é empolgante - e lisonjeira. “Seria uma grande honra se eles usassem um pouco do que inventamos”, disse ele. “Melhor ainda se eles me chamassem. Se a Disney ligasse e dissesse: ‘Queremos que você se junte à equipe’, eu estaria lá amanhã”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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