Pode-se dizer que Fé para o Impossível, estreia nos cinemas desta quinta, 20, é um filme de tendências. Afinal, o longa brasileiro segue o caminho trilhado por produções internacionais nos últimos anos que apostam em histórias religiosas para conquistar um novo público nos cinemas. É um processo com resultados. O Som da Liberdade, por exemplo, arrecadou mais de US$ 250 milhões em bilheteria. Já Superação: O Milagre da Fé, menos radical, passou dos US$ 50 milhões – e custou apenas US$ 14 milhões.
A nova produção brasileira ainda tem um outro elemento a seu favor: ser uma história real. O longa-metragem acompanha a jornada do casal de pastores Philip e Renee Murdoch, vividos respectivamente por Dan Stulbach e Vanessa Giácomo. Ela foi atacada violentamente por um morador de rua, no Rio de Janeiro, e ficou no hospital entre a vida e a morte. Philip, enquanto isso, deixou a história famosa por fazer uma espécie de “diário do hospital”, gravando vídeos com a esposa e pedindo orações para fiéis ao redor do mundo.

Ao Estadão, Vanessa explica o que a levou a aceitar o papel de Renee: “Vivemos um momento em que quase não ligamos para ninguém, poucos encontros, tudo muito virtual. E acho que as pessoas buscam cada vez mais se reconectar com algo. A fé traz esse lugar.”
“Filmes assim fazem você refletir sobre o que acontece no mundo, sobre tempo de qualidade com as pessoas que amamos e que muitas vezes deixamos o trabalho engolir”, completa. “Acho que é por isso que esses filmes fazem tanto sucesso. Porque as pessoas sentem essa necessidade.”
Processo de adaptação
O diretor Ernani Nunes, que já tinha dirigido o religioso No Ritmo da Fé, foi convidado para comandar o longa pela Galeria Distribuidora. A partir daí, começou a mergulhar no livro que conta a história do casal, Dê a Volta por Cima, e a entender melhor os caminhos da recuperação de Renee.
“Adaptar um livro para o cinema exige abrir mão de algumas coisas e fazer escolhas criativas, o que faz parte do processo. Mas a família foi extremamente receptiva. Eu visitei a casa deles, conheci todos os filhos e fiz questão de entender a dinâmica familiar antes e depois do atentado”, contextualiza o cineasta. “Eles foram muito generosos ao compartilhar suas histórias e me deram total liberdade para realizar o filme.”
Dentre as escolhas criativas, por exemplo, estava a decisão de não colocar sotaque na voz de Renee – uma americana radicada no Brasil. “Foi uma escolha consciente. O sotaque é um detalhe menor diante do que realmente importa: a história de superação. O foco sempre foi contar essa trajetória e transmitir a fé que sustentou o Philip e sua família. Esse era o ponto para estruturar o filme”, afirma Ernani.
O elenco entendeu isso e buscou uma transformação física, nunca linguística. “Fisicamente, foi cansativa essa parte de caracterização. Muitas horas caracterizando, muitas vezes a gente usava prótese, que eu não podia abrir os olhos e ficava horas do dia assim. Foi uma experiência”, conta Vanessa, que passa boa parte do filme acamada. Ela chegou a questionar se estava bem para isso – não é fácil, ela diz, ficar com os olhos fechados quase o dia todo. Mas diz que valeu a experiência.
“O cinema é algo muito importante para mim. Gosto de escrever, criar argumentos. Estou produzindo um filme dirigido pelo Daniel Bandeira, e ele está escrevendo o roteiro comigo. Isso tudo me fez entender muito mais o processo por trás de um filme até ele chegar ao cinema”, conta Vanessa.
“Sempre fui assim. Terminava uma novela, já priorizava fazer um filme. Acho importante transitar entre teatro, cinema e TV. E é lindo ver um filme eternizado, poder assistir depois de 20, 30 anos e refletir sobre minhas escolhas enquanto atriz.”
Um olhar para o cinema religioso
Não há como negar que, nos últimos anos, o cinema religioso ganhou tons políticos no cinema – não apenas pela aproximação de religiosos com a política, mas também por conta da absorção de temas políticos por filmes religiosos, como o já citado O Som da Liberdade.
Dan Stulbach, o protagonista do filme, explica que quis sentir a segurança de que não “haveria alguém no final do filme pedindo dinheiro ou para comprar ingressos” – como também aconteceu no longa com Jim Caviezel e que rendeu polêmicas mundo afora.
“Claro [que tive receio da ligação de política com religião]”, explica Dan. “Mas, ao ler o roteiro de Fé para o Impossível, vi que não havia nomes, não se dá nomes às igrejas. As pessoas falam de fé, de crença, e cabe para qualquer religião. O roteiro passa longe de polêmicas. Ele fala de fé e mudança, mas sem direcionamento.”

Juliana Alves, que interpreta a médica responsável pelos cuidados de Renee, segue por esse caminho – e acredita que, no final das contas, cinema religioso pode ser a porta de entrada para outros tipos de cinemas, histórias e sentimentos nas telonas do Brasil.
“Acho que o que pode contribuir para essa mudança é a compreensão de que nenhuma fé é superior à outra”, aponta a atriz. “Quando nós tivermos essa consciência, conseguiremos avançar e permitir que o cinema conte cada vez mais histórias do povo brasileiro, um povo que tem a fé como parte essencial de sua identidade.”