
ASSOCIATED PRESS — A musa do carnaval do Brasil este ano não é uma das divas ou rainhas de bateria que desfilam com as escolas de samba do Rio de Janeiro. É Fernanda Torres, que concorre ao Oscar de melhor atriz neste domingo, 2.

O Oscar acontece bem no meio do carnaval, a maior festa do Brasil, que vai até terça-feira, 4. Durante os cinco dias de folia, o resto do mundo geralmente fica em segundo plano enquanto os brasileiros se soltam e se divertem. Mas este ano é diferente, e a atenção voltada ao Oscar reflete o orgulho do Brasil por sua cultura e o desejo de ser reconhecido no cenário global.
“Imagine só, ela ganhar o Oscar no domingo de carnaval. Vai ser uma celebração dupla”, disse Clarissa Salles, 33 anos, à Associated Press, enquanto comprava uma estatueta do Oscar de brinquedo em uma rua de comércio popular em São Paulo para sua fantasia.
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Torres está indicada por sua atuação como protagonista no filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, que também concorre a Melhor Filme e Melhor Filme Internacional.
A empolgação em torno da premiação levou a TV Globo, maior emissora do Brasil, a retomar a transmissão ao vivo da cerimônia após um hiato de cinco anos. A emissora abrirá mão da transmissão nacional dos desfiles de carnaval, exibindo o Oscar em todo o País, exceto no Rio.

Bares e casas noturnas pelo Brasil estão organizando festas para assistir à premiação, e os resultados serão transmitidos até mesmo em um telão para as dezenas de milhares de espectadores reunidos no Sambódromo do Rio para os desfiles.
“Hoje, todo o Brasil só pensa nisso”, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em suas redes sociais. “Todos estão torcendo por Ainda Estou Aqui e Fernanda Torres no Oscar.”
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Até na Amazônia, uma comunidade indígena na aldeia Inhãa-Bé promoveu uma exibição do filme na sexta-feira, 28. Com cantos e danças descalças, o grupo, formado principalmente por mulheres, realizou seu ritual de guerra seguido pelo ritual da vitória.
“Dançamos ao redor das pessoas, posicionando nossos pensamentos e emoções para que essa energia chegue onde precisa ir, que é até Fernanda Torres”, disse a xamã A-yá Kukamíria.
Em um momento do ritual, ela abanou fumaça sobre um cartaz com a estatueta dourada e as palavras: “O Oscar é nosso!”
‘Um Movimento’
Máscaras com o rosto de Fernanda Torres, além de camisetas e bonés estampando sua reação à indicação ao Globo de Ouro — “A vida vale a pena!” — estão por toda parte. A frase apareceu até em uma faixa no Cordão do Boitatá, um dos blocos de rua mais tradicionais do Rio.
Ela inspirou até festas inteiras de carnaval em sua homenagem. No último domingo, foliões no Rio carregavam uma faixa dizendo “Sósias de Fernanda Torres” enquanto se fantasiavam como alguns de seus personagens mais amados da TV.
Esse é o auge da fama no Brasil — virar fantasia de carnaval
Fernanda Torres
“Esse é o auge da fama no Brasil — virar fantasia de carnaval”, disse a atriz em 10 de fevereiro no Festival de Cinema de Santa Bárbara. “Estou vendo muito de mim nas ruas. Isso me enche de orgulho.”
E as estatuetas de Oscar de plástico estão voando das prateleiras.
A febre por Fernanda Torres é “um sentimento, um movimento”, e uma vitória no Oscar seria como a seleção brasileira levantando a taça da Copa do Mundo, disse a escritora feminista Milly Lacombe, que escreve sobre esportes e cultura.
“Fraturados por divisões políticas, os brasileiros estavam sedentos por algo que pudesse uni-los”, disse Lacombe. “Não sabíamos de onde isso viria. E veio de um lugar muito inesperado — a indústria cinematográfica brasileira.”
Dos papéis na TV à glória no Oscar
Desde sua estreia em novembro no Brasil, Ainda Estou Aqui levou mais de 5 milhões de brasileiros aos cinemas. Na semana passada, o filme ainda liderava a bilheteria brasileira, ficando atrás apenas do mais recente Capitão América da Marvel.
O longa foi aclamado no exterior e, no Brasil, provocou uma reflexão necessária sobre os traumas e o legado da ditadura militar, que governou o País por mais de duas décadas.
Torres interpreta Eunice Paiva, a matriarca de uma família da elite carioca despedaçada pela ditadura. Em 1971, seu marido, Rubens Paiva, ex-deputado de esquerda, foi preso pelos militares e nunca mais foi visto. Baseado no livro do filho do casal, Marcelo Rubens Paiva, o filme acompanha a luta de Eunice para que o governo admita oficialmente a morte do marido.
Aos 59 anos, Fernanda Torres ganhou reconhecimento nacional ainda adolescente, atuando em novelas. Aos 19, tornou-se a primeira brasileira a vencer o prêmio de melhor atriz em Cannes, por Eu Sei Que Vou Te Amar. Seu sucesso continuou no teatro e no cinema, e ela consolidou sua fama em sitcoms como Os Normais e Tapas & Beijos.
Sua atuação dramática em Ainda Estou Aqui mudou a percepção do público, surpreendendo muitos com sua interpretação contida e intensa, deixando a dor e o desespero apenas subentendidos.
O sucesso do filme — e sua vitória no Globo de Ouro — também fez com que a audiência de suas antigas sitcoms disparasse na plataforma de streaming da TV Globo, segundo a emissora. E cenas de Torres nessas séries têm sido usadas em inúmeros memes virais na contagem regressiva para o Oscar.
Justiça Poética?
Para entender por que as chances de Torres no Oscar geraram tanta empolgação no Brasil, é preciso olhar para sua mãe, Fernanda Montenegro, 95 anos, que aparece como Eunice Paiva idosa nas cenas finais do filme.
Montenegro é uma lenda da atuação no Brasil — a “Meryl Streep brasileira” — e foi indicada ao Oscar de melhor atriz em 1999 por Central do Brasil. O prêmio, no entanto, foi para Gwyneth Paltrow por Shakespeare Apaixonado, e muitos brasileiros desde então acreditam que Montenegro foi injustiçada.
“Como filha primogênita da relutantemente intitulada ‘Grande Dama do Teatro Brasileiro’, Fernanda Montenegro, parecia que Fernanda Torres não tinha muita escolha profissional. Surpreendentemente, ela trilhou seu próprio caminho”, disse o jornalista Pedro Bial, apresentador de um prestigiado talk show na TV Globo e ex-marido de Torres nos anos 1980.
“Ainda Estou Aqui é seu papel cinematográfico mais significativo, e surpreendeu alguns de seus fãs acostumados com seu estilo cômico”, acrescentou Bial. “Os brasileiros agora esperam que o Oscar traga uma justiça poética, 25 anos após a dolorosa derrota de sua mãe.”
O desejo de um país de ser visto
Nenhum brasileiro jamais venceu o Oscar de melhor ator ou atriz. De certa forma, o reconhecimento internacional de Torres toca em um desejo nacional de validação estrangeira, segundo Lacombe, a escritora de cultura.
Esse sentimento já apareceu antes no futebol, com Pelé, ou na Fórmula 1, com Ayrton Senna.
“Queremos mostrar que existimos, que merecemos respeito e que o que criamos aqui é excepcional. Nossa cultura é incomparável”, disse Lacombe.
Torres reconheceu esse aspecto da mentalidade brasileira em uma entrevista de novembro.
“O Brasil tem esse ‘complexo de vira-lata’, essa falta de comunicação com o mundo, mas ao mesmo tempo sente pena do mundo por não saber o que sabemos”, disse a atriz ao portal de notícias UOL. “Quando alguém rompe essa barreira e leva algo profundamente nosso para fora, vem esse sentimento de: ‘Olhem o que temos, olhem como nossa cultura é rica.’”
Clara Novais, jornalista e influenciadora digital de 33 anos que posta conteúdos sobre carnaval, vê em Torres uma “mulher moderna e ousada.”

No domingo, Novais estará festejando no tradicional Carnaval de Olinda, no Nordeste, vestida com uma fantasia inspirada no Oscar e celebrando a conquista de Torres.
“Ela mostra que é possível fazer cultura, entretenimento, política e história ao mesmo tempo — arrancando risadas e informando”, disse Novais. “Acho que o carnaval é tudo isso, assim como Fernanda.”
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