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Opinião|‘Ferrari’, com excepcionais cenas de corrida, mergulha no drama passional e cheio de intrigas da F-1

Filme de Michael Mann peca ao retratar personagens italianos com atores falando inglês, mas é bom ao mostrar o lado humano de mitos da Fórmula 1 - pessoas que sentem medo, são inseguras e querem reconhecimento, poder, riqueza e viver; leia crítica

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Por trás do charme da escuderia vermelha da Fórmula 1 corre um rio de drama, passional e cheio de intrigas, que poderia se passar por um dos episódios do Poderoso Chefão de Francis Ford Coppola. Quem nos desvenda os bastidores da famosa marca italiana é Michael Mann em Ferrari, talvez um dos filmes mais esperados do ano, pelo menos para quem gosta de corridas de automóveis, histórias de riqueza e brigas pelo poder.

No longa, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 22, o norte-americano Adam Driver interpreta o mitológico Enzo Ferrari (1898-1988). Sua esposa Laura é vivida pela espanhola Penélope Cruz. Estamos diante de uma produção global, elenco internacional e língua inglesa como idioma dominante, apesar da ação se passar na Itália, no final dos anos 1950.

Adam Driver e Gabriel Leone em 'Ferrari'. Foto: Lorenzo Sisti/Diamond Films/Divulgação

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O casamento de Enzo e Laura parece instável e perigoso como as curvas do circuito urbano de Módena. Enzo e Laura lamentam a morte do filho que tiveram, Dino, perdido para uma doença degenerativa. Um tenta jogar sobre o outro a culpa sobre a morte do jovem. Enzo alimenta um affair duradouro com Lina Lardi (Shailene Woodley), com quem tem um filho ainda criança e que Enzo pretende reconhecer e designar como herdeiro.

A ciranda familiar ferve em 1957, quando, dez anos após sua fundação, a empresa atravessa período difícil e a falência bate à porta. Atormentado, Enzo decide jogar suas cartas para turbinar a marca Ferrari numa competição prestigiosa no mundo do automobilismo, as Mil Milhas da Itália, país aficionado das provas de velocidade.

Como nas boas histórias folhetinescas, também aqui há um antagonista. No caso da Ferrari, a marca rival, a Maserati, que conta, em seus quadros, com o mitológico piloto argentino Juan Manuel Fangio. Para salvar a empresa, e a si mesmo, Enzo precisa vencer o oponente e seus próprios fantasmas. Antigo piloto, signore Ferrari sabe que não basta ter uma boa máquina nas mãos. É preciso alguém para dirigi-la. Alguém com técnica para domar o bólido e estômago para ser o último a pisar no freio ao entrar numa curva fechada.

Vai buscar essas qualidades num piloto em ascensão, o espanhol Alfonso de Portago, vivido pelo brasileiro Gabriel Leone. Leone reforça sua afinidade com os esportes de velocidade. Além deste trabalho em Ferrari, faz o papel de Ayrton Senna numa série sobre o maior ídolo do automobilismo brasileiro.

Gabriel Leone [centro] faz parte do elenco de 'Ferrari', filme de Michael Mann. Foto: Lorenzo Sisti/Diamond Films/Divulgação

Composição sólida

Ferrari é uma composição sólida, montada com bons materiais, porém apresenta algumas instabilidades. Uma delas, ao retratar personagens italianos com atores falando inglês. Muitas vezes, inglês macarrônico para acentuar que são estrangeiros. Bons intérpretes superam o desafio, mas com certa dificuldade. Depois de algum tempo, esquecemos da origem anglosaxônica de Adam Driver. Penélope Cruz, com ímpeto hispânico, compõe com brio seu papel de esposa traída, raivosa e, no entanto, cheia de paixão.

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Conseguimos ver nesses personagens a ambivalência humana que aumenta a temperatura da obra. Eles são ricos, belos e poderosos. No íntimo, são também frágeis como qualquer ser humano. Temem a morte, a pobreza, a solidão. Querem, acima de tudo, serem reconhecidos pelo outro por suas façanhas, seu poder, sua generosidade. A necessidade de reconhecimento é a falha trágica da espécie, sem a qual não se reconhece a natureza humana.

Penélope Cruz como Laura Ferrari em 'Ferrari'. Foto: Lorenzo Sisti/Diamond Films/Divulgação

A vida é teatro e, no caso desses personagens grandiosos, o palco parece amplificado e podemos observar de perto como sofrem, amam, quais são suas grandezas e baixezas. Vemos-nos neles, o que é a base de qualquer forma de representação realista.

Como espetáculo cinematográfico, Ferrari encontra seu ápice nas cenas de corrida, excepcionalmente bem filmadas. Nenhuma novidade aqui: Michael Mann é diretor de conceituados filmes de ação tais como Fogo contra Fogo, Colateral, Miami Vice.

Seu diferencial é que as histórias partem da ação, mas não se resumem a ela. Repercutem em questões humanas mais profundas. E, claro, em se tratando de esportes radicais, como corridas de automóveis ou touradas, a tragédia pode principiar na própria ação, já que sempre parece vizinha ao imprevisto, ao acidente, à morte. Ferrari não escapa a essa sina.

Cotação: Bom.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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