No pós-Cannes, a imprensa francesa divide-se em relação às escolhas do júri presidido pelos irmãos Coen. Nice Matin, o principal jornal da região, saudou a tríplice vitória da França - Palma de Ouro para Jacques Audiard (Dheepan); prêmios de interpretação para Emmanuelle Bercot (Mon Roi, de Maïwenn) e Vincent Lindon (La Loi du Marché, de Stéphane Brizé). A manchete foi Carton Plein! Cocorico à Cannes.
Os jornais parisienses foram mais comedidos. Le Figaro saudou ‘a consagração de Jacques Audiard’. Libération ficou com o pé atrás - Palma de Ferrouille et Or, Palma de Ferrugem e Ouro, proclamou, pegando carona no filme precedente do diretor, Ferrugem e Osso.
Libé, por meio de seus críticos, esperava que a Palma coroasse Hou Hsiao-Hsien, mas o autor de O Assassino teve de se contentar com o prêmio de direção. O foco das discussões foi para o prêmio de atriz, que Emmanuelle Bercot dividiu com a norte-americana Rooney Mara, por Carol, de Todd Haynes. Emmanuelle, atriz e diretora, abriu o festival com seu longa La Tête Haute, com Catherine Deneuve, e venceu como atriz por seu papel em Mon Roi, de Maïwenn. Le Figaro cravou um ‘formidável’ para definir Mon Roi. Libé diz que o filme é um egotrip excessivo e escandaliza-se que um gênio imenso como Hou Hsiao-Hsien não tenha vencido a Palma por unanimidade. A única unanimidade deste ano, segundo Jake Gyllenhaal, um dos jurados, foi o filme de Jacques Audiard. “Dheepan foi o filme que, em diferentes níveis e por diferentes motivos, tocou todo o júri. Impôs-se por isso.”
Dheepan dirige seu foco para esse exilado político que cria uma falsa família para fugir de Sri Lanka. No subúrbio, na França, onde tenta reconstruir a vida, entra em choque com a violência local - tráfico, disputa de poder. Por um momento, o espectador chega a pensar que Audiard vai fazer O Profeta 2.Na entrevista que deu ao Estado, o diretor e roteirista confessou que sentiu a mesma coisa, que estava a se repetir. Quase desistiu, ainda bem que seguiu em frente.
No limite, foi um bom, não grande festival. Para sua primeira seleção, o novo presidente do Festival de Cannes, Pierre Lescure, fez uma aposta no social. Não por acaso, as Palmas para Audiard e Vincent Lindon - o segundo, pelo filme mais à esquerda da competição, A Lei do Mercado, sobre o fantasma do desemprego -, dividiram as manchetes da imprensa francesa na segunda, 25, com o calote anunciado da Grécia, que ameaça não pagar suas dívidas com o FMI e a Comunidade Europeia, se não houver um acordo que lhe seja favorável.
Os melhores filmes do festival foram o húngaro O Filho de Saul, de Laszlo Nemes, que propõe uma nova abordagem da Shoah, e o mexicano, em língua inglesa, Chronic, de Michel Franco, que merecia mais que o prêmio de roteiro. O festival que acaba de terminar foi um espelho do mundo.
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