Serão dois dias de festa, e das mais intensas, na Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro. Nesta quinta, 5, o Cine Odeon estende o tapete vermelho para a première brasileira e latino-americana de Atiraram no Pianista. A animação dos espanhóis Fernando Trueba e Javier Menescal foi escolhida para abrir, com pompa e circunstância, em presença de Mariscal, o Festival do Rio de 2023. Apesar de certa similaridade com o segundo longa do francês François Truffaut – Atirem no Pianista, de 1960 -, a trama agora investiga o desaparecimento do pianista Tenório Cerqueira Jr. em Buenos Aires, em 1976, durante uma turnê de Vinicius de Morais e Toquinho. É por meio dessa figura que Trueba e Menescal contam uma história, senão a história, da Bossa Nova.
Na sexta, 6, à noite, de novo no Odeon, outra gala, na abertura justamente da Première Brasil. Me Chama Que Eu Vou, o longa de Paulo Machline, e é claro que só poderia ser ele – Sidney Magal. De 5 a 15, o Rio se transforma na capital brasileira do cinema. Como realização, o Festival do Rio é obra de um colegiado, mas destacam-se duas mulheres. Ilda Santiago assina a direção de programação, a curadoria dos filmes que compõem a seleção, distribuída por diversas mostras. Walkiria Barbosa coordena o Rio Market, que aborda parcerias, os sistemas de produção e distribuição – o lugar do cinema brasileiro no mundo. Ilda gosta de dizer que a Première Brasil é a menina dos olhos do evento. A mais importante janela para a produção cinematográfica do País.
Nos últimos anos, políticas oficiais pareciam sob medida para acabar com a produção nacional. Os tempos são outros. A Première Brasil deste ano está empenhada em afirmar a potência, e diversidade, da produção brasileira. Mas o Festival do Rio não é só a Première Brasil, com sua seleção de 90 títulos distribuídos em mostras competitivas de ficção e documentário e mais seções como Novos Rumos, Retratos e Itinerários Únicos. Tem também o Panorama Mundial, a Mostra Latina, Expectativa, Geração, Midnight Movies, Clássicos e Cults, A Cinemateca É Brasileira e ainda – last but not least – Especial Séries Brasileiras. No total serão exibidos mais de 200 filmes em diferentes pontos da Cidade Maravilhosa, incluindo salas de ruas e de shoppings, centros culturais e até o Cinema na Praia, em Copacabana. A programação contempla sessões oficiais – as galas de filmes nacionais e estrangeiros -, exibições com acessibilidade, homenagens.
Em um comunicado oficial, Ilda Santiago diz que o Festival do Rio é uma celebração e um convite para novas aventuras, “guardando um profundo respeito pela nossa história. O Brasil é muito plural e podemos ver esse retrato também nas telas do cinema. São diversas ações que criamos para os mais diversos públicos e gostos diferentes, para comemorar essa edição histórica, pois, afinal, são 25 edições do festival.” A exemplo do que também ocorre com a Mostra de São Paulo, o que muita gente quer ver são os filmes que já chegam avalizados pela participação – e premiação – nos grandes festivais internacionais. Berlim, Cannes, Veneza.
Algumas dessas atrações – Pobres Criaturas/Poor Creatures, de Yorgos Lanthimos, que venceu o Leão de Ouro em Veneza, Hitman, de Richard Linklater, que também esteve em Veneza, Monster/Monstros, de Hirokazu Kore-eda, que integrou a seleção de Cannes, O Sabor da Vida, de Tran Anh Hung, também de Cannes, Fronteira Verde, Agnieszka Holland, que estremeceu Veneza e é objeto de acirrada polêmica na Polônia. Filmes autorais e radicais? Eureka, de Lisandro Alonso, Mal Viver e Viver Mal, de João Canijo, As Verdades Essenciais do Lago, de Lav Diaz. Feminismo nas telas? Elas por Elas, com as visões de autoras como Catherine Hardwicke, Lucia Puenzo e Maria Sole Tognazzi. Brasileiros no exterior? Firebrand, de Karim Ainouz, e The Ballad of a Hustler/Invisíveis, de Heitor Dhalia.
Há muito tempo Wim Wenders não fazia um filme tão bom como Perfect Days. Uma espécie de versão japonesa de O Último dos Homens, de Friedrich Wilhelm Murnau. Itinerários Únicos? Dario Argento Panico, de Simone Scafidi, Godard Cinema, de Cyril Leuthy, Werner Herzog, Um Sonhador Radical, de Thomas Von Steinaecker. A seção não contempla só cineastas - Raoni, Uma Amizade Improvável, de Jean-Pierre Dutilleux, Dançando Pina Bausch, de Florian Heizen-Ziob. Midnight Movies – Corta!, a extravagante paródia de filmes de mortos vivos de Michel Hazanavicius, Kubi, de Takeshi Kitano, e o resgate duas obras brasileiras, A Super Fêmea, de Anibal Massaini Neto, ora quem?, Vera Fischer, e Os Homens Que Eu Tive, de Teresa Trautman. O Estado das Coisas discute o estado do mundo – Nuclear Now, de Oliver Stone. Cults? Fome de Amor, de Tony Scott, com a duplas de vampiros Catherine Deneuve e David Bowie.
Séries? O festival contempla as brasileiras. How To Be a Carioca, o projeto de Carlos Saldanha, João Sem Deus – A Queda de Abadiânia, de Marina Person, Resistência Negra, de Mayara Aguiar, e Amar É Para os Fortes, de Yasmin Thayná, Katia Lund e Daniel Lieff. Para encerrar com o Brasil, as mostras competitivas de ficção e documentário, com os filmes que concorrerão ao Redentor.
Na primeira categoria – Ana, de Marcus Faustini, A Batalha da Rua Maria Antônia, de Vera Egito, A Festa de Leo, de Luciana Bezerra e Gustavo Melo, As Polacas, de João Jardim, Até Que a Música Pare, de Christiane Oliveira, Cinco da Tarde, de Eduardo Nunes, Estranho Caminho, de Guto Pasrente, Levante, de Lilah Halla, O Dia Que Te Conheci, de André Novais Oliveira, O Mensageiro, de Lúcia Murat, Onoff, de Lírio Ferreira, Pedágio, de Carolkina Markowicz, e Sem Coração, de Nara Normande e Tião.
Na segunda, os docs – Assexybilidade, de Daniel Gonçalves, Helô, de Lula Buarque de Hollanda, Línguas da Nossa Língua, de Estevão Ciavatta, O Coro do Te-Ato, de Stella Oswaldo Cruz Penido, Othelo, o Grande, de Lucas H. Rossi dos Santos, e Utopia Tropical, de João Amorim.
Para seu encerramento, no dia 14 – a premiação será o fecho, dia 15 -, o Festival do Rio programou duas galas. Priscilla, de Sofia Coppola, que valeu a Cailee Spaeny a Copa Volpi de melhor atriz em Veneza, e o gran finale, o drama brasileiro O Sequestro do Voo 375, de Marcus Baldini, diretor de Bruna Surfistinha, que reconstitui o episódio real ocorrido em setembro de 1988, quando um brasileiro desempregado – e revoltado com a situação política do País sob a presidência de José Sarney – sequestrou um avião da Vasp, que pretendia lançar sobre o Palácio do Planalto.
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