A reavaliação de celebridades mal interpretadas — especialmente mulheres que alcançaram o ápice da fama nos anos 1990 — tornou-se seu próprio minigênero da cultura pop. Muitas vezes, a história faz parte de uma trama maior: uma cultura empenhada em derrubar mulheres bem-sucedidas, ou bonitas, ou apenas aquelas que acidentalmente se desviaram para os holofotes.
Então, eu não fiquei surpresa ao ver um documentário sobre Martha Stewart na grade da Netflix. Intitulado Martha — a partir desse único nome, você sabe instantaneamente de quem se trata — e dirigido por R.J. Cutler, ele defende um ponto simples: Martha Stewart estava, de quase todas as formas, à frente de seu tempo. Ela foi corretora de ações no final dos anos 60, depois começou uma empresa de catering que se tornou o impulso para seus livros sobre entretenimento e administração doméstica. Por fim, ela se tornou uma magnata da mídia, considerada tanto a primeira bilionária que se fez sozinha quanto a influenciadora original. Então, o filme argumenta, ela também foi injustamente processada como resultado de sua fama e da necessidade dos promotores de fazerem um nome para si mesmos. Mas veja, Martha diz: seu caminho de volta à influência nos últimos anos na TV e nas redes sociais tem sido notável.
Tudo isso segue o arco tradicional: sucesso, queda em desgraça e, por fim, a salvação. O que eu não esperava, porém, era como Cutler iria abordar os detalhes. Stewart, que tem 83 anos, sentou-se para uma longa entrevista — muitas vezes um indicador de uma peça pura de relações públicas, contando apenas a história que o sujeito quer contar. Geralmente são takes superficiais e hagiográficos, apenas parte do pacote geral de construção de marca.
Isso definitivamente está presente em Martha, que, em sua seção final, narra a última década da vida de Stewart em termos muito cor-de-rosa, começando com sua participação no roast de Justin Bieber no Comedy Central em 2015, que deu início tanto à sua era de “avó descolada” quanto à sua improvável amizade com Snoop Dogg.
Mas, na maior parte do filme, há mais tensão frutífera do que celebração cega. Stewart é uma entrevistada difícil, especialmente quando está falando sobre algo que não tem interesse em discutir profundamente — como seu primeiro casamento, por exemplo, ou o assunto de sentimentos em relacionamentos. Ela discute um pouco com Cutler. Ele ocasionalmente deixa uma declaração pairar no ar ou mantém a câmera rodando, dando-nos uma visão de algo que parece não ser totalmente intencional da parte dela.
Há quase nenhum outro entrevistado na tela; Cutler, em vez disso, optou por incluir outros comentaristas (amigos, ex-colegas e vários membros da família de Stewart, incluindo sua filha, Alexis Stewart) apenas por meio de áudio emparelhado com filmagens de arquivo e fotografias. Às vezes, esses comentaristas contradizem ou adicionam cor à própria versão de Stewart de si mesma. A pergunta que todos parecem estar tentando responder é por que, quando ela foi condenada por mentir sobre os motivos de uma transação de ações no coração de um caso de insider trading em 2004, a resposta de figuras da mídia pareceu totalmente desproporcional, abertamente vitriólica.
A resposta é evasiva. Ela foi, por suas contas, uma chefe difícil; um termo impronunciável para uma mulher forte é dito muitas vezes, por amigos e críticos. Às vezes, parece que Cutler está tecendo-os na narrativa para expor a figura complexa que Stewart representava aos olhos do público: uma mulher poderosa, rica, feita por si mesma, que também construiu seu império em cima de tarefas domésticas, uma profissão que se destina a ser suave e estereotipadamente feminina. A dissonância cognitiva coletiva, argumenta o filme, era insuportável.
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Isso tudo é interessante. Mas mais interessante é a própria Stewart, que não se contém no filme. É vigoroso e um pouco surpreendente, dado os cantos arredondados que muitas pessoas conhecidas apresentam ao público. Ela observa muito seriamente, por exemplo, que James Comey e os outros promotores responsáveis por prendê-la por cinco meses em 2004 “deveriam ter sido colocados em um [forno] Cuisinart e ligados na potência alta”. Ela tem muito pouca paciência ao discutir pessoas que reagem negativamente ao seu profissionalismo eficiente e exigente. Ela não mede palavras ao falar sobre os homens que a deixaram. Ela tem palavras especiais para colegas que a traíram.
É refrescante. Sua franqueza e aspereza fazem um filme muito melhor, muito mais crível: esta é uma mulher que sente injustiças e avança implacavelmente, mas nunca esquece. Martha parece ser uma porta muito melhor para compreender Stewart — que tem sido objeto de especulação, fascínio, piadas cruéis e muita schadenfreude (termo alemão que expressa a alegria sentida em face do infortúnio alheio) — do que meio século de atenção da mídia conseguiu ser.
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