Foi tortuosa a jornada de Blonde, adaptação do romance de Joyce Carol Oates sobre Marilyn Monroe, para a tela. Naomi Watts e depois Jessica Chastain iam interpretar a estrela. Depois, o filme ganhou uma classificação NC-17 nos Estados Unidos, que é a mais alta e proíbe a entrada para menores de 18. Houve boatos de que a Netflix queria mudanças, o que o diretor Andrew Dominik negou. A plataforma de streaming tirou a produção da competição do Festival de Veneza do ano passado. Depois, o longa não foi aceito por Cannes por causa da lei que obriga a exibição nos cinemas franceses. Enfim, Blonde estreou na noite desta quinta, 8, no 79º Festival de Veneza, um ano depois da data original, cercado de muita expectativa.
A classificação parece meio absurda - tirando uma cena de violência sexual, o filme tem as mesmas cenas de sexo e um pouco de nudez a mais do que Não se Preocupe, Querida.
Dominik decidiu focar no trauma. Vemos a pequena Norma Jeane (Lily Fisher) crescendo com sua mãe, Gladys Pearl Baker (Julianne Nicholson), mentalmente instável. O pai, desconhecido, nunca apareceu - no filme, ele paira o tempo todo, sem jamais estar lá.
Depois, já vivida por Ana de Armas, vem sua entrada no mundo do cinema marcada pela violência sexual. Sua relação mais verdadeira, um triângulo com Cass Chaplin (Xavier Samuel) e Eddy G. Robinson Jr. (Evan Williams), é um momento em que Norma Jean pode ser ela mesma. Mas termina sob pressão do estúdio.
Então, uma sucessão de tragédias: casamentos com O Ex-Atleta (o ex-jogador de beisebol Joe Di Maggio, vivido por Bobby Cannavale) e com O Dramaturgo (Arthur Miller, interpretado por Adrien Brody), relacionamento com O Presidente (John Fitzgerald Kennedy, papel de Caspar Phillipson), abortos naturais e forçados, vício em remédios, morte precoce de overdose de barbitúricos aos 36.
São quase três horas de desgraças, quase sem momentos de respiro, o que sufoca a personagem, mas também o espectador. No fim, em vez de iluminar a Norma Jeane que ficou soterrada pela personagem Marilyn Monroe, como aparentemente era uma das intenções, Blonde a reduz à mulher trágica de voz infantil que morreu jovem.
A Marilyn Monroe de Ana de Armas parece-se muito com a Marilyn Monroe das fotos e dos filmes. O trabalho de caracterização é fenomenal. Mas não há vida ali.
Talvez tenha a ver com a decisão de Dominik de se apoiar bastante nas fotos icônicas da atriz, mostrando o por trás da cena que daria mais contexto ao que foi registrado em imagem parada. Por exemplo, na clássica foto do vestido levantado pela ventilação do metrô, ele exibe uma multidão em volta, homens monstruosos, ameaçadores.
Só que o filme pula de foto em foto, de tragédia em tragédia, não se atendo a nada. Ele falha na tentativa de mostrar a dualidade entre pessoa real e personagem e do trauma e da falta de pai como condutores de suas escolhas. Tudo é pincelado, fragmentado, um pot-pourri de piores momentos da vida de Marilyn Monroe. Saímos de Blonde sem entender nada a mais sobre a atriz ou sobre a sociedade que a produziu como ídolo.
Para um filme de três horas, é um problema e tanto.
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